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STF. ADI 6482/DF
Tese Firmada: O legislador federal, para garantir a universalização e a prestação eficiente dos serviços de telecomunicações, pode — por exceção normativa explícita — impedir a cobrança de preço público pelo uso das faixas de domínio. O regramento do direito de passagem previsto na Lei Geral das Antenas [Lei 13.116/2015, art. 12, “caput” (1)] se insere no âmbito da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações [Constituição Federal (CF), art. 22, IV (2)] e sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa [CF, art. 22, XXVII (3)]. O art. 12 da Lei Geral das Antenas respeita os princípios constitucionais da eficiência e da moralidade administrativa. Do ponto de vista material, não é compatível com a ordem constitucional vigente o entendimento de que o direito de propriedade — mesmo que titularizado por ente político — revista-se de garantia absoluta. O ônus real advindo da gratuidade do direito de passagem estabelecido no art. 12 da Lei 13.116/2015 é adequado, necessário e proporcional em sentido estrito, considerando o direito de propriedade restringido.
Questão Jurídica: Lei Geral de Antenas e direito de passagem
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 12, CAPUT, DA LEI 13.116/2015. INSTALAÇÃO DE INFRAESTRUTURA E DE REDES DE TELECOMUNICAÇÕES. GRATUIDADE DO DIREITO DE PASSAGEM EM VIAS PÚBLICAS, EM FAIXAS DE DOMÍNIO E EM OUTROS BENS PÚBLICOS DE USO COMUM DO POVO, AINDA QUE ESSES BENS OU INSTALAÇÕES SEJAM EXPLORADOS POR MEIO DE CONCESSÃO OU OUTRA FORMA DE DELEGAÇÃO. CONTEXTO REGULATÓRIO SETORIAL DA NORMA IMPUGNADA. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE TELECOMUNICAÇÕES. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA EFICIÊNCIA, DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS ESTADOS VOLTADA À GARANTIA DA PRESTAÇÃO E DA UNIVERSALIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. NORMA QUE IMPÕE RESTRIÇÃO ADEQUADA, NECESSÁRIA E PROPORCIONAL EM SENTIDO ESTRITO AO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. O Setor Brasileiro de Telecomunicações passou por importantes mudanças na década de 1990, com a aprovação da Emenda Constitucional 8/1995 e da Lei 9.472/1997, que promoveram a liberalização do setor e a privatização do sistema Telebras. A expansão do acesso à internet de alta velocidade tem empurrado as políticas de telecomunicações da década de 1990 para um verdadeiro “ponto de inflexão” (inflection point). (COWHEY, Peter F.; ARONSON, Jonathan D. Transforming Global Information and Communication Markets: The Political Economy of Innovation. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2011, p. 8 e 10–11). Ainda que intuitivamente a internet seja considerada um espaço livre e desregulado, a conexão dos usuários à rede depende da prestação de serviços de telecomunicações e da interação entre agentes econômicos que atuam de forma verticalmente integrada entre a camada física composta pela gestão de infraestrutura de telecomunicações, a camada de protocolo e a amada de conteúdos e de aplicações. (BENJAMIN, Staurt Minor et al. Telecommunications Law and Policy. 3a. Durham: Carolina Academic Press, 2012, p. 717-721). Daí porque a doutrina assenta que “o fenômeno Over-The-Top (OTT) passa a demandar a remodelagem de políticas de incentivo ao investimento em infraestrutura de redes de alta velocidade, as quais se mostram essenciais não apenas para a viabilidade desses modelos de negócios, mas para a garantia dos incentivos à inovação no âmbito do setor de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)”. (FERNANDES, Victor Oliveira. Regulação de Serviços de Internet: desafios da regulação de aplicações Over-The-Top (OTT), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 36). 2. No caso do setor de telecomunicações, a atribuição da titularidade pela prestação dos serviços públicos à União (art. 21, inciso XI, da CF) tem como contrapartida o reconhecimento de uma federalização ampla das relações jurídicas que permeiam a prestação desses serviços. Do próprio conceito legal, extrai-se que “telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (art. 60, § 1º, da Lei 9.472/1997). A disciplina jurídica de toda e qualquer forma de transmissão de sinais voltada à prestação de um serviço de telecomunicações revolve matéria afeta à competência legislativa da União, tal qual o direito de passagem e uso para a instalação de infraestrutura de rede. 3. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a edição da Lei 13.116/2015 se insere no âmbito da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações (art. 22, inciso IV, CF/88) e materializa uma decisão de afastar a possibilidade de os Estados e Municípios legislarem sobre a matéria (ADI 3.110, Relator Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 4.5.2020, DJe 10.6.2020; ADPF 731, Relator(a): Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, DJe 10-02-2021). A disciplina da gratuidade do direito de passagem prevista no art. 12, caput, da Lei 13.166/2015 divisou a necessária uniformização nacional, sobretudo em um setor econômico como o de telecomunicações, em que a interconexão e a interoperabilidade das redes afiguram-se essenciais. 4. A interpretação sistemática da Lei 13.116/2015, sobretudo naquilo que complementada pelo seu regulamento, revela, na realidade, zelo do legislador de, ao mesmo tempo, uniformizar a gratuidade do direito de passagem no âmbito nacional e respeitar o exercício das competências administrativas dos poderes concedentes locais, preservando-se a competência da União de legislar sobre normas gerais em matéria de licitações e contratos administrativos (art. 22, inciso XXVII, da CF). 5. O art. 12, caput, da Lei 13.116/2015 institui verdadeiro ônus real sobre o direito de propriedade dos bens de Estados e Municípios nas vias públicas, faixas de domínio e outros bens públicos de uso comum do povo. Dado que o direito de propriedade não se revela de caráter absoluto, essa restrição “pode ser admitida constitucionalmente quando decorrer da necessidade de prestação de serviço público no interesse da coletividade. Este privilégio ainda se reveste da maior importância quando se trata de ocupação de bens públicos de qualquer natureza quando esta ocupação for indispensável à própria exploração do serviço”. (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de Direito Administrativo, vol. IV. Rio de janeiro: Editora Freitas Bastos, 1943, p. 404-405). 6. A natureza constitucional dos serviços públicos de telecomunicações (art. 21, inciso XI, da CF/88) não foi desconstituída pela simples previsão legal de que tais serviços podem ser prestados no regime privado por meio de autorização (art. 62 da Lei 9.472/1997). A forma de delegação do serviço não é o fator unicamente determinante à definição de sua natureza econômica, já que “não é pelo fato de a lei ou o regulamento se referir nominalmente a ‘autorização’ que, como em um passe de mágica, a atividade deixa de ser serviço público (ou monopólio público), para ser uma atividade privada”. ARAGÃO, Alexandre dos Santos. O Direito dos Serviços Públicos. 3ª Ed. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2013, p. 695).O fato de o Poder Constituinte de Reforma ter mantido sob a responsabilidade da União a titularidade da prestação dos serviços de telecomunicações (art. 21, inciso XI, da CF/88) torna incontroverso que esses serviços apresentam natureza de serviço público. 7. A restrição ao direito real de propriedade imposta pelo art. 12, caput, da Lei 13.116/2015 afigura-se adequada, necessária e proporcional em sentido em estrito. Sob o ponto de vista da adequação, as dificuldades históricas de harmonização da disciplina normativa sobre a implantação da infraestrutura de telecomunicações, aliada à extensão da competência privativa da União para legislar sobre a matéria, convergem para o juízo de que a edição de uma lei federal sobre o tema é a medida mais adequada para a finalidade da norma. Sob o ponto de vista da necessidade, não haveria meio menos gravoso para assegurar a finalidade da norma, uma vez que, mesmo que se cogitasse de deixar ao poder dos Estados e dos Municípios a fixação de um valor pelo uso da faixa de domínio, essa opção poderia gerar distorções na política regulatória nacional dos serviços de telecomunicações. Por fim, sob o ponto de vista da proporcionalidade em sentido estrito, verifica-se que tanto a lei federal quanto o seu regulamento previram salvaguardas de modo a evitar o total aniquilamento do direito real em jogo, tais como a ressalva de que a gratuidade não afeta obrigações indenizatórias decorrentes de eventual dano efetivo ou de restrição de uso significativa e a previsão de que a gratuidade será autorizada pelos órgãos reguladores sob cuja competência estiver a área a ser ocupada ou atravessada, 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 6482, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-097 DIVULG 20-05-2021 PUBLIC 21-05-2021)