STF. HC 163943 AgR/PR

Tese Firmada: A Segunda Turma julgou prejudicado agravo regimental em habeas corpus no que atine ao pedido de apresentação das alegações finais pelo paciente após o oferecimento pelos corréus, pois a pretensão foi alcançada na Rcl 33.543. Ademais, por maioria, deu parcial provimento ao recurso a fim de conceder a ordem para determinar o desentranhamento de termo de colaboração de corréu dos autos de ação penal em que figura como acusado o ora paciente. Ao se manifestar pelo conhecimento do writ, o ministro Ricardo Lewandowski reportou-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual, quando a liberdade de alguém estiver direta ou indiretamente ameaçada, cabe habeas corpus ainda que para solucionar questões de natureza processual. De igual modo, o ministro Gilmar Mendes acrescentou que, se houver ilegalidade manifesta a ser corrigida pelo STF, não se verifica óbice ao afastamento da incidência do Verbete 691 da Súmula do STF (1). Noutro passo, o colegiado indeferiu o pedido de suspensão do julgamento da ação penal até pronunciamento final do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Asseverou que, no caso concreto, não se revela indispensável ao desate da controvérsia o debate acerca do caráter vinculante, ou não, das deliberações do aludido Comitê. Isso porque a decisão invocada pela defesa agravante firmou-se no sentido da não concessão de medidas provisionais. Esclareceu que o referido órgão não determinou a suspensão de ações penais instauradas em desfavor do ora paciente. Ao relembrar que os Estados não devem adotar comportamento que frustre a observância de Protocolo Facultativo, o Comitê da ONU não o fez acolhendo a pretensão do interessado. Aquele órgão não reconheceu a prática de ato imputável ao Estado brasileiro que pudesse vulnerar a ordem internacional e, ao exercer o juízo acerca da adequação das medidas provisionais, resolveu por sua não concessão. Além disso, se não cabe ao Estado-parte sindicar a concessão de medidas provisionais pelo órgão internacional, como alegado na impetração, por razões similares, também não se atribuiria ao Juízo nacional o reexame do não acolhimento do requerimento pelo Comitê. No ponto, o ministro Ricardo Lewandowski ressalvou que a deliberação final de mérito, a qual poderá ser julgada por aquela instância internacional, a depender do resultado proclamado, poderá configurar medida capaz de impedir, frustrar ou anular o julgamento dos processos criminais movidos contra o agravante. Ao versar sobre o pleito de desentranhamento do mencionado acordo de colaboração premiada, a Turma considerou demonstrado constrangimento ilegal imposto ao paciente e acolheu o pedido formulado, com esteio no art. 157 do Código de Processo Penal (CPP), que impõe a exclusão de provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Registrou que, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial e após o encerramento da instrução processual, o então magistrado de piso ordenou o levantamento do sigilo e o translado, para os autos do mencionado processo criminal, de parte dos depoimentos prestados por corréu em acordo de colaboração premiada. O ex-juiz aguardou mais de três meses da homologação da delação para, na semana do primeiro turno, determinar, sem prévio requerimento do órgão acusatório, a efetiva juntada à ação penal. O ministro Ricardo Lewandowski aduziu que, apesar de ter consignado a necessidade da medida para instrução dos autos, o aludido magistrado assentou, de modo extravagante, que levaria em consideração, quanto aos coacusados, apenas o depoimento prestado pelo corréu colaborador sob contraditório naquele processo penal. A seu ver, com essas e outras atitudes que haverão de ser verticalmente analisadas no âmbito do HC 164.493, aquele juiz violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, além de influenciar de forma direta e relevante o resultado da disputa eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando comportamento, no mínimo, heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o paciente. A determinação da juntada nesses moldes consubstancia, quando menos, inequívoca quebra da imparcialidade. Sobre o art. 156 do CPP (2), rejeitou a possibilidade de se alegar que ele assegura ao magistrado poderes instrutórios autônomos. Avaliou que a dicção do referido dispositivo, de duvidosa constitucionalidade, está restrita às hipóteses específicas contempladas pelo legislador. De sorte que, por corolário, descabe qualquer compreensão hermenêutica que amplie o sentido e o alcance do preceito, especialmente para fins eleitorais, sob pena de violação do sistema constitucional acusatório. Concluiu que a juntada de ofício após o encerramento da fase de instrução, com o intuito de, aparentemente, gerar fato político, revela-se em descompasso com o ordenamento constitucional vigente. Por seu turno, o ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para as circunstâncias que permearam a juntada nos autos do acordo de colaboração. Em primeiro lugar, ele foi juntado quando a fase de instrução processual havia sido encerrada, a sugerir que os termos do acordo sequer estariam aptos a fundamentar a prolação da sentença. Em segundo, aconteceu cerca de três meses após a decisão judicial que o homologara. A seu ver, essa demora parece ter sido cuidadosamente planejada para gerar verdadeiro fato político na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais. Ato contínuo à juntada foi determinado o imediato levantamento do sigilo, com clara finalidade de que fosse dada publicidade às imputações dirigidas ao réu, sem que as circunstâncias narradas no ajuste fossem relevantes para a ação penal em andamento. Em terceiro, o fato de a juntada e o levantamento do sigilo terem ocorrido por iniciativa do próprio juiz, isto é, sem qualquer provocação do órgão acusatório. Para o ministro, essas circunstâncias, quando examinadas de forma holística, são vetores possivelmente indicativos da quebra da imparcialidade por parte do magistrado. Sob o prisma da avaliação estrita da licitude, compreendeu estar claro que as circunstâncias não deixam dúvidas de que o ato se encontra acoimado de grave e irreparável ilicitude. Ainda que se pudesse invocar, em tese, a possibilidade jurídica da produção de provas de ofício pelo julgador, com fundamento no art. 156 do CPP, na espécie, sequer seria possível falar verdadeiramente em produção probatória, uma vez encerrada a instrução processual. Dessa maneira, ponderou que a juntada do acordão não parece ter tido outro propósito a não ser o de constranger e macular a posição jurídica do réu, hipótese a atrair a incidência do art. 157 do CPP, que preleciona a inadmissibilidade das provas ilícitas. Por fim, destacou que a ordenação ex officio do ato judicial impugnado quando associada às características particularíssimas do caso concreto suscitam ainda preocupação com a eventual violação ao princípio acusatório. Vencido, no ponto, o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental. Na percepção do relator, o CPP atribui ao juiz poderes instrutórios, ainda que de forma residual (art. 156). Nada obstante, não se demonstra que a atividade processual teve como norte a inclinação por determinada hipótese acusatória, mas, tão somente, possibilitar, em sede de sentença, o adequado enfrentamento da matéria afeta à atividade colaborativa. O ministro ressaltou ter sido expressamente afirmado pelo juiz singular que os elementos juntados de ofício seriam empregados exclusivamente para fins de análise de eventual sanção premial. Logo, as informações não teriam força demonstrativa e probatória apta a interferir na esfera jurídica do ora paciente. De acordo com o aludido magistrado, não constituem inovação relevante em relação às declarações previamente prestadas pelo corréu, a não configurar prejuízo à defesa. Circunstância que, além de inviável dissenso, em sede de habeas corpus, não foi impugnada pela defesa. Por último, enfatizou que a ação constitucional em apreço, sobretudo em hipóteses nas quais se verifica supressão de instância, consubstancia garantia processual vocacionada exclusivamente à tutela do direito de locomoção. Portanto, não se presta a tutelar a regularidade de atos processuais que não se mostrem, sequer potencial e remotamente, aptos a interferir na liberdade ambulatorial do cidadão. (1) Verbete 691/STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.” (2) CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”

Questão Jurídica: “Habeas corpus” e desentranhamento de termo de colaboração de corréu

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INAPLICABILIDADE, NO CASO, DA SÚMULA 691 DO STF. DECISÃO EX OFFICIO DE JUIZ QUE ORDENA, APÓS O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL E ÀS VÉSPERAS DO PRIMEIRO TURNO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2018, O LEVANTAMENTO DO SIGILO E O TRANSLADO AOS AUTOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA DE ANTÔNIO PALOCCI FILHO. ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE FLAGRANTE. ALEGADA APLICAÇÃO DO ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INADMISSIBILIDADE. OFENSA ÀS REGRAS DO SISTEMA ACUSATÓRIO E ÀS GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. QUEBRA, ADEMAIS, DA IMPARCIALIDADE DO JULGADOR. DESENTRANHAMENTO DETERMINADO COM BASE NO ART. 157 DO CPP. PEDIDO DE APRESENTAÇÃO SUCESSIVA DE MEMORIAIS ESCRITOS POR RÉUS COLABORADORES E DELATADOS. PERDA DE OBJETO. SUSPENSÃO DO FEITO ATÉ PRONUNCIAMENTO FINAL DO COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE CAUTELAR DO REFERIDO ORGANISMO INTERNACIONAL NESSE SENTIDO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA. I – Conhecimento de habeas corpus, com superação da Súmula 691 do STF, nos casos em que, configurada a flagrante ilegalidade de provimento jurisdicional, resta evidenciado risco atual ou iminente à liberdade de locomoção do paciente (Precedentes, dentre outros: HC 87.926/SP, Relator Min. Cezar Peluso, e HC 157.627/PR, Redator para o acórdão Min. Ricardo Lewandowski). II - Age com abuso de poder o juiz que ordena, de ofício, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial de 2018 e após encerrada a instrução processual, o levantamento do sigilo e o translado para os autos de ação penal de trechos de depoimento prestado por delator, em acordo de colaboração premiada. III – Decisão que, buscando influenciar, de forma direta e relevante, o resultado da disputa eleitoral, desvela comportamento, no mínimo, heterodoxo do julgador, em franca violação ao sistema acusatório e às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. IV - Demonstrado o evidente constrangimento ilegal imposto ao recorrente, impõe-se o desentranhamento dos autos da delação levada a efeito por Antônio Palocci Filho, com esteio no art. 157 do CPP. V – Perda do objeto com relação ao pedido de adiamento da apresentação de alegações finais, após o decurso do prazo fixado para os corréus colaboradores. VI – Inviável o pleito de suspensão do julgamento da ação penal até o pronunciamento final do Comitê de Direitos Humanos da ONU, porquanto tal medida não foi contemplada na cautelar expedida pelo organismo internacional. VII – Agravo regimental conhecido em parte, concedendo-se parcialmente a ordem no habeas corpus. (HC 163943 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-224 DIVULG 09-09-2020 PUBLIC 10-09-2020)