STF. Pet 7494 AgR/DF

Tese Firmada: A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em petição para permitir o acesso dos requerentes ao conteúdo de colaboração premiada realizada por executivos da empresa Odebrecht, no âmbito da “Operação Lava Jato”, em que foram citados. Determinou-se que o acesso deve abranger somente documentos em que os agravantes são de fato mencionados (requisito positivo), excluídos os atos investigativos e diligências que ainda se encontram em andamento e não foram consubstanciados e relatados no inquérito ou na ação penal em trâmite (requisito negativo). No caso, os termos do acordo celebrado entre os executivos da referida empresa e o Ministério Público Federal (MPF) deram origem, por meio de cooperação jurídica internacional celebrada entre Brasil e a República do Peru, a procedimento investigativo e, após, a ação penal, em razão da qual os agravantes se encontram presos naquele país desde julho de 2017. Os agravantes pretendiam, em suma, obter acesso integral aos termos dos colaboradores para viabilizar, de forma plena e adequada, sua defesa nos procedimentos que tramitam em seu desfavor na República do Peru. Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes. Segundo o ministro, o MPF tem compartilhado, por meio da cooperação jurídica internacional firmada com a República do Peru, elementos de prova colhidos em acordos de colaboração premiada, celebrados no Brasil e relacionados diretamente aos agravantes, de maneira possivelmente arbitrária e seletiva. Isso significa que elementos essenciais para a defesa dos agravantes, no processo em trâmite na República do Peru, podem, eventualmente, e de acordo com as informações prestadas pelos agravantes, não ter sido compartilhados pelo MPF, ofendendo, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, já que a prova foi produzida originalmente no Brasil. Não se podendo afirmar com certeza se o Ministério Público do Peru recebeu do MPF todos os elementos de prova relacionados aos agravantes, eventual pleito junto às autoridades peruanas poderia restar totalmente ineficiente para que se pudesse exercer a defesa plena das acusações. Verifica-se, dessa forma, um claro conflito de interesses entre os órgãos acusatórios e a defesa dos agravantes. Em caso de o MPF ter compartilhado apenas os dados que eventualmente interessassem ao Ministério Público do Peru, fica a defesa dos agravantes nitidamente prejudicada. Nesses termos, a defesa dos agravantes não pode ficar à mercê de uma seleção arbitrária, por parte do MPF, dos dados que devem ou não ser compartilhados, sob pena de grave vilipêndio dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Assinalou, ainda, que, além de estarem expressos na Constituição Federal (CF), os princípios do contraditório e da ampla defesa, tanto em seu momento informativo quanto em seu momento reativo, representam valores axiológicos que norteiam o sistema processual penal em âmbito americano e estão previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Tendo sido o conteúdo das delações que atingem os agravantes produzido no Brasil e tendo havido uma possível seleção dos dados a serem compartilhados, entendeu cabível a aplicação do Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF (1). Quanto à aplicação do referido entendimento sumular no âmbito do instituto da colaboração premiada, a Lei 12.850/2013 prevê, em seu art. 7º (2), o sigilo do acordo de colaboração, como regra, até a denúncia, se estendendo aos atos de cooperação, especialmente às declarações do cooperador. O sigilo dos atos de colaboração, no entanto, não é oponível ao delatado. Há uma norma especial que regulamenta o acesso do defensor do delatado aos atos de colaboração (Lei 12.850/2013, art. 7º, § 2º). O dispositivo consagra o amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, ressalvados os referentes a diligências em andamento. Portanto, em um cotejo analítico entre o referido verbete sumular e a Lei 12.850/2013, o acesso deve ser garantido caso estejam presentes dois requisitos: um positivo — o ato de colaboração deve apontar a responsabilidade criminal do requerente; e outro negativo — o ato de colaboração não se deve referir a diligência em andamento. Vencidos o ministro Edson Fachin (relator), que negou provimento ao agravo regimental e manteve a decisão monocrática, e, em menor extensão, a ministra Cármen Lúcia, que deferiu apenas parcialmente o pedido.

Questão Jurídica: Colaboração premiada: acesso a documentos e exercício do contraditório e da ampla defesa

Ementa: Agravo regimental na petição. 2. Pleito de vista e extração de cópia de todos os documentos ligados aos acordos de colaboração premiada firmados entre o Ministério Público Federal e os colaboradores Jorge Henrique Simões Barata, Luiz Antônio Mameri, Marcelo Bahia Odebrecht e Valdemir Flavio Pereira Garreta. Operação Lava-Jato. Acordo de cooperação internacional que culminou na prisão cautelar do ex-Presidente e da ex-Primeira Dama da República do Peru. 3. Decisão monocrática de lavra do Ministro Edson Fachin que indeferiu o pedido. Incompetência do Poder Judiciário brasileiro para tutelar a regularidade de procedimento investigatório sujeito à jurisdição do Peru. 4. Compartilhamento arbitrário e seletivo de elementos de prova colhidos em acordos de colaboração premiada. Ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Possibilidade de aplicação da Súmula Vinculante n. 14. Inoponibilidade do sigilo dos atos de colaboração premiada ao delatado. 5. Requisitos positivo e negativo para a garantia do acesso pretendido. Ato de colaboração que aponta para a responsabilidade criminal do requerente e que não se refere a diligência em andamento. 6. Agravo regimental a que se dá provimento para deferir a petição nos estritos limites indicados. (Pet 7494 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 19/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 02-09-2020 PUBLIC 03-09-2020)