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STF. ADI 6359 Ref-MC/DF
Tese Firmada: O Plenário, por maioria, referendou decisão que indeferiu pedido de medida cautelar, formulado em ação direta de inconstitucionalidade, na qual se pleiteava a suspensão por trinta dias, a contar de 4 de abril de 2020, do prazo previsto no art. 9º, caput, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) (1), bem como dos prazos previstos no art. 1º, IV, V e VII, da Lei Complementar 64/1990 (2) e, por arrastamento, do art. 10, caput e § 4º, da Resolução 23.609/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõem sobre a escolha e o registro de candidatos para as eleições, e das disposições correlatas da Resolução 23.606/2019 do Tribunal Superior Eleitoral, relativa ao Calendário para as Eleições de 2020. O autor alegava a necessidade da aludida suspensão dos prazos, a fim de garantir ao máximo a possibilidade de participação dos cidadãos nos pleitos eleitorais. Sustentava que, embora os atos normativos impugnados consubstanciem leis ainda constitucionais, estariam, em virtude do estado de coisas produzido pelas medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19, em transição para a inconstitucionalidade, por inviabilizarem, nas eleições de 2020, a plena prevalência do princípio democrático e da soberania popular. O Tribunal reputou ausentes, na hipótese, as circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão da eficácia dos preceitos normativos impugnados. Considerou inadequada a aplicação da técnica da lei ainda constitucional, conforme pretendido pelo autor, para a solução da problemática sob análise. Em primeiro lugar, porque não demonstrado satisfatoriamente que o parâmetro fático-social decorrente da implementação das medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19 traduza, pelo menos até o momento, situação justificadora da suspensão da vigência de direito cuja validade não é de outro modo questionada. No ponto, observou que, ao imporem restrições a diversas atividades cotidianas, as medidas voltadas a implementar o chamado distanciamento social provocam transtornos também a atividades de caráter político-partidário. Entretanto, não é possível vislumbrar as supostas ofensas que os dispositivos normativos impugnados ocasionam aos princípios democrático e da soberania popular. Em segundo lugar, a imediata suspensão dos prazos previstos nos atos normativos impugnados teria como inadmissível consequência o enfraquecimento das proteções contra o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na Administração direta ou indireta. Isso aumentaria de modo desproporcional o risco para a normalidade e a legitimidade das eleições [Constituição Federal (CF), art. 14, § 9º] e, consequentemente, produziria um estado de coisas com potencial ainda maior de vulneração ao princípio democrático e à soberania popular. Além disso, colocaria em risco a cláusula pétrea da periodicidade do sufrágio (CF, art. 60, § 4º, II) e, em consequência, a soberania popular e o Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, parágrafo único). Explicou que a tutela jurisdicional do pleito eleitoral tem como pressuposto a prevalência da Constituição, que instituiu um Estado Democrático de Direito marcado pela independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Isso porque todos os Poderes da República têm a sua origem e fundamento na CF, manifestação da soberania popular representada em momento histórico pela Assembleia Nacional Constituinte e atualizada pelos procedimentos reveladores da manifestação do Poder Constituinte derivado. Nesse contexto, as regras conformadoras dos ritos e procedimentos ínsitos à democracia devem ser reverenciadas como o que são: garantias de existência perene do regime democrático. A ideia de democracia, particularmente, de democracia representativa, não pode ser tratada, juridicamente, como conceito meramente abstrato, ideal vago ou simples retórica, sem densidade semântica e normativa aptas a determinar, na vida prática da República, os modos de funcionamento do Estado e de relacionamento entre as instituições e os poderes. Prazos como o de desincompatibilização não são meras formalidades, mas visam a assegurar a preponderância da isonomia, expressão que é do próprio princípio republicano, na disputa eleitoral. Sua inobservância pode vulnerar a própria legitimidade do processo eleitoral, valor consagrado no art. 14, § 9º, da CF. Ademais, a exigência da anterioridade da lei eleitoral (CF, art. 16) consubstancia marco temporal objetivo que tem por escopo impedir mudanças abruptas na legislação eleitoral, como forma de assegurar o devido processo legal eleitoral, o direito das minorias e a paridade de armas na disputa eleitoral. Desdobramento do postulado da segurança jurídica, o princípio da anterioridade – ou da anualidade – da lei eleitoral tem sido consistentemente prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, que já assentou a sua extensão às decisões judiciais que impliquem alteração de jurisprudência. Asseverou que, em face das medidas excepcionais de enfrentamento da pandemia da Covid-19, a ideia de ampliar prazos eleitorais, com a antecedência buscada, pode ser tentadora. Não obstante, a história constitucional recomenda que, especialmente em situações de crise, se busque, ao máximo, a preservação dos procedimentos estabelecidos de expressão da vontade popular, das instituições conformadoras da democracia, que, não obstante sua falibilidade, pode ser uma das poucas salvaguardas da normalidade. Ponderou que, obviamente, a inviabilidade de condições fáticas pode impor suspensão, prorrogações, adiamentos. No ponto, entretanto, mencionou decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em sessão administrativa de 19.3.2020, que rejeitou requerimento de prorrogação do prazo de filiação partidária, tendo em vista a pandemia da Covid-19, e registrou, à unanimidade, a plena possibilidade de os partidos adotarem meios outros para assegurar a filiação partidária. Na ocasião, a ministra Rosa Weber (relatora), após reafirmar os fundamentos da decisão denegatória da liminar sob referendo, apresentou outras considerações. Dentre elas, frisou não estar em discussão o exame da lide pelo enfoque suscitado a título de atualização do pedido inicial. Após, ressaltou que, de acordo com o último relatório semanal divulgado pelo Grupo de Trabalho constituído no TSE para monitorar os impactos da pandemia da Covid-19, com vista às eleições municipais de 2020, foi mantida a posição de que, à luz do calendário eleitoral vigente, a Justiça Eleitoral, até o presente momento, tem condições materiais para a implementação das eleições no corrente ano. Acrescentou ter sido, ainda, amplamente noticiado o consenso dos ministros daquela corte de que só em junho haverá definição a respeito, a exigir, em qualquer hipótese, a atuação do Congresso Nacional, em se tratando de datas e balizas fixadas na CF. Reafirmou que uma situação de crise não prescinde de uma permanente reavaliação das estratégias jurídico-políticas mais efetivas para a preservação da incolumidade da ordem constitucional. Concluiu que o risco de fragilização do sistema democrático e do próprio Estado de direito relacionado à perturbação dos prazos eleitorais, em decorrência do acolhimento da pretensão cautelar, afigura-se como um risco, a toda evidência, manifestamente mais grave do que o prejuízo alegado em razão da manutenção dos prazos nas circunstâncias atuais. No equacionamento da controvérsia, a importância intrínseca do processo democrático e o valor sagrado do sufrágio não devem ser esquecidos. Vencido o ministro Marco Aurélio que extinguiu a ação por julgá-la inadequada. Segundo o ministro, a disciplina da matéria — adiamento de atos alusivos ao calendário eleitoral — cabe ao Poder Legislativo. (1) Lei 9.504/1997: “Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo.” (2) Lei Complementar 64/1990: “Art. 1º São inelegíveis: (...) IV – para Prefeito e Vice-Prefeito: a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização; b) os membros do Ministério Público e Defensoria Pública em exercício na Comarca, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais; c) as autoridades policiais, civis ou militares, com exercício no Município, nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito; V – para o Senado Federal: a) os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea a do inciso II deste artigo e, no tocante às demais alíneas, quando se tratar de repartição pública, associação ou empresa que opere no território do Estado, observados os mesmos prazos; b) em cada Estado e no Distrito Federal, os inelegíveis para os cargos de Governador e Vice-Governador, nas mesmas condições estabelecidas, observados os mesmos prazos; (...) VII – para a Câmara Municipal: a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para o Senado Federal e para a Câmara dos Deputados, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização; b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização.”
Questão Jurídica: Covid-19: suspensão de prazos para filiação partidária, comprovação de domicílio eleitoral e desincompatibilização de função pública
Ementa: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRAZO PARA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PEDIDO DE SUSPENSÃO POR TRINTA DIAS. ART. 9º, CAPUT, DA LEI Nº 9.504/1997, ART. 1º, IV, V E VII, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990, E, POR ARRASTAMENTO, ART. 10, CAPUT E § 4º, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.609/2019 E RESOLUÇÃO TSE Nº 23.606/2019 (CALENDÁRIO PARA AS ELEIÇÕES DE 2020). EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19). ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CIRCUNSTANCIAL OU TRANSIÇÃO PARA A INCONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E À SOBERANIA POPULAR. INOCORRÊNCIA. RISCO DE VULNERAÇÃO À LEGITIMIDADE DO PROCESSO ELEITORAL. ART. 14, § 9º, DA CF. ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL. ART. 16 DA CF. CALENDÁRIO ELEITORAL. DATAS E BALIZAS FIXADAS NA CONSTITUIÇÃO. ALTERAÇÃO SOMENTE MEDIANTE ATUAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO. INDEFERIMENTO DA PRETENSÃO CAUTELAR. REFERENDO. 1. Indefere-se pretensão cautelar de suspensão temporária da eficácia de atos normativos primários – inscritos em lei ordinária e em lei complementar – fundada em alegação de consubstanciarem leis em transição para a inconstitucionalidade ou circunstancialmente inconstitucionais. 2. Ferramentas hermenêuticas de tutela jurisdicional da Constituição, tais como a modulação temporal dos efeitos das decisões, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade, o apelo ao legislador e decisões de conteúdo aditivo ou manipulativo justificam-se por evitarem, em todo caso, um estado de exceção, em outras palavras, que o provimento jurisdicional não resulte, ele mesmo, em violação da Constituição mais grave do que a que se visou a extirpar. A decisão atípica proferida na jurisdição constitucional há de estar informada e legitimada pela deontologia extraída da própria Constituição, não ostentando caráter meramente consequencialista. É dever da jurisdição constitucional assegurar, sempre e em cada caso, a melhor harmonização possível entre a supremacia da Constituição, interesses sociais incontornáveis e os princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da proporcionalidade. A técnica da lei ainda constitucional tem lugar quando peculiaridades fáticas ou sociais impõem a validação provisória de norma a rigor inconstitucional para evitar-se situação de anomia ou dano ainda maior à ordem constitucional. 3. Inadequação da espécie, sequer demonstrado de forma satisfatória que o parâmetro fático-social decorrente da implementação das medidas de enfrentamento à pandemia da COVID-19 ora traduza situação justificadora da suspensão de direito objetivo cuja validade não está em jogo sob outro prisma. 4. Inocorrência de afronta ao princípio democrático e à soberania popular. A existência perene do regime democrático é assegurada pela reverência às regras conformadoras dos ritos e procedimentos que lhe são ínsitos e prazos como o de desincompatibilização não são meras formalidades, eis que visam a assegurar a isonomia, expressão do princípio republicano, na disputa eleitoral, e sua inobservância pode vulnerar a própria legitimidade do processo eleitoral, valor consagrado no art. 14, § 9º, da CF. O exame da história do Brasil revela que a desorganização anda de mãos dadas com a fraude. 5. O acolhimento da pretensão – imediata suspensão dos prazos do art. 9º, caput, da Lei nº 9.504/1997 e do art. 1º, IV, V e VII, da Lei Complementar nº 64/1990 e, por arrastamento, do art. 10, caput, e seu § 4º, da Resolução nº 23.609/2019 do TSE) – enfraqueceria as proteções contra o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, incrementando de modo desproporcional o risco para a normalidade e a legitimidade das eleições (art. 14, § 9º, da CF), produzindo estado de coisas com potencial ainda maior de vulneração ao princípio democrático e à soberania popular: risco à cláusula pétrea da periodicidade do sufrágio (art. 60, § 4º, II, da CF), à soberania popular e ao Estado democrático de direito (art. 1º, parágrafo único, da CF). 6. O Supremo Tribunal Federal já assentou a sujeição das decisões judiciais que impliquem alteração de jurisprudência à exigência de anterioridade – ou anualidade – da lei eleitoral (art. 16 da CF), marco temporal objetivo cujo escopo é impedir mudanças abruptas na legislação, de modo a assegurar o devido processo legal eleitoral, o direito das minorias e a paridade de armas na disputa. Precedente: (RE 637.485/RJ, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 01.8.2012, DJe 21.5.2013). 7. A alteração do calendário eleitoral vigente, a contemplar datas e balizas fixadas na Constituição, exige, em qualquer hipótese, a atuação do Congresso Nacional. 8. A ausência de referências jurisprudenciais a apoiar a tese da inconstitucionalidade circunstancial subjacente à pretensão, é sugestiva de que, embora criativa, não se coaduna, considerada a instabilidade normativa inerente ao conceito, com uma ordem jurídica conformada a um Estado democrático de direito marcado pelo império da lei, pela Supremacia da Constituição e pela reverência à segurança jurídica e à objetividade do direito positivo. Potencialmente conducente a horizonte político qualitativamente indiferenciável de um estado em que a vigência do direito inconveniente pode ser afastada e restabelecida ao sabor dos ventos, admitir a invocação de circunstâncias excepcionais para afastar temporariamente a aplicação do direito vigente configura procedimento incompatível com o conteúdo material do Estado constitucional. 9. Indeferimento de medida cautelar referendado. (ADI 6359 MC-Ref, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 09-11-2020 PUBLIC 10-11-2020)