STJ. REsp 2.019.136-RS

Enunciado: A controvérsia consiste em definir se a operadora de plano de saúde está autorizada a negar a contratação de serviço com quem está com o nome negativado em órgão de restrição de crédito. Nos contratos de consumo de bens essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação etc, não pode o fornecedor agir pensando apenas no que melhor lhe convém. A negativa de contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, sendo incompatível ainda com os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido. A prestação dos serviços sempre pode ser obstada se não tiver havido o pagamento correspondente. Assim, exigir que a contratação seja efetuada apenas mediante "pronto pagamento", nos termos do que dispõe o art. 39, IX, do CDC, equivale a impor ao consumidor uma desvantagem manifestamente excessiva, o que é vedado pelo art. 39, V, do mesmo diploma. E ainda, em se considerando que o fornecimento (ou o atendimento pelo plano de saúde) só persistirá se houver o efetivo adimplemento das prestações contratadas. No caso, ademais, não se está diante de um produto ou serviço de entrega imediata, mas de um serviço eventual e futuro que, embora posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. Assim, a recusa da contratação ou a exigência de que só seja feita mediante "pronto pagamento", excede aos limites impostos pelo fim econômico do direito e pela boa-fé (art. 187 do CC/2002). A contratação de serviços essenciais não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um pária.

Tese Firmada: O simples fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido.

Questão Jurídica: Plano de saúde. Recusa da operadora de contratar plano de assistência à saúde. Beneficiária com restrição em órgão de proteção ao crédito. Abusividade configurada.

Ementa: CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. RECUSA DA OPERADORA DE CONTRATAR PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BENEFICIÁRIA COM RESTRIÇÃO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O cerne da controvérsia, levantada no nobre apelo, cinge-se em definir se há ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, ambos do CPC, e se a UNIMED está autorizada a negar a contratação de plano de saúde com quem está com o nome negativado em órgão de restrição de crédito. 2. Não há que se falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o Tribunal gaúcho, clara e fundamentadamente, dirimiu as questões que lhe foram submetidas. 3. Nos contratos de consumo de bens essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação etc, não pode o fornecedor agir pensando apenas no que melhor lhe convém. A negativa de contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, sendo incompatível ainda com os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 4. O fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido. 5. A prestação dos serviços sempre pode ser obstada se não tiver havido o pagamento correspondente. Assim, exigir que a contratação seja efetuada apenas mediante "pronto pagamento", nos termos do que dispõe o art. 39, IX, do CDC, equivale a impor ao consumidor uma desvantagem manifestamente excessiva, o que é vedado pelo art. 39, V, do mesmo diploma. 6. No caso, ademais, não se está diante de um produto ou serviço de entrega imediata, mas de um serviço eventual e futuro que, embora posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. Assim, a recusa da contratação ou a exigência de que só seja feita mediante "pronto pagamento", excede aos limites impostos pelo fim econômico do direito e pela boa-fé (art. 187 do CC/02). 7. Enfim, a contratação de serviços essenciais não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um pária. 8. Recurso especial desprovido. (REsp n. 2.019.136/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 23/11/2023.)