STJ. HC 625.274-SP

Enunciado: A Sexta Turma do STJ, partir do julgamento do RHC 158.580/BA, aprofundou a compreensão acerca do instituto da busca pessoal, analisando de forma exaustiva os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal. O caso em análise revela a necessidade de se atentar para a distinção existente entre a busca pessoal prevista na lei processual penal e outros procedimentos que não possuem a mesma natureza, os quais, a rigor, não exigem a presença de "fundada suspeita". A denominada "busca pessoal por razões de segurança" ou "inspeção de segurança", ocorre rotineiramente em aeroportos, rodoviárias, prédios públicos, eventos festivos, ou seja, locais em que há grande circulação de pessoas e, em consequência, necessidade de zelar pela integridade física dos usuários, bem como pela segurança dos serviços e instalações. Embora a inspeção de segurança também envolva restrição a direito fundamental e possa ser alvo de controle judicial a posteriori, a fim de averiguar a proporcionalidade da medida e a sua realização sem exposição vexatória, o principal ponto de distinção em relação à busca de natureza penal é a faculdade que o indivíduo tem de se sujeitar a ela ou não. Em outras palavras, há um aspecto de contratualidade, pois a recusa a se submeter à inspeção apenas irá obstar o acesso ao serviço ou transporte coletivo, funcionando como uma medida de segurança dissuasória da prática de ilícitos. A título exemplificativo, destaca-se que a inspeção de segurança em aeroportos decorre de cumprimento de diretriz internacional, prevista no Anexo 17 da Convenção da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI), da qual o Brasil é signatário. O Decreto n. 11.195/2022 regulamenta a questão e prevê expressamente que a inspeção de passageiros e bagagens é de responsabilidade do operador de aeródromo, sob supervisão da Polícia Federal (art. 81). Ou seja, delega-se essa possibilidade ao agente privado, sendo a atuação policial também prevista, de forma subsidiária e complementar. Nesse contexto, se a busca ou inspeção de segurança - em espaços e transporte coletivos - pode ser realizada por agentes privados incumbidos da segurança, com mais razão pode - e deve - ser realizada por agentes públicos que estejam atuando no mesmo contexto, sem prejuízo do controle judicial a posteriori acerca da proporcionalidade da medida, em ambos os casos. O contexto que legitima a inspeção de segurança em espaços e meios de transporte de uso coletivo é absolutamente distinto daquele que ampara a realização da busca pessoal para fins penais, na qual há que se observar a necessária referibilidade da medida (fundada suspeita de posse de objetos ilícitos), conforme já muito bem tratado no referido RHC 158.580/BA, da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz. No caso, policiais rodoviários federais, em fiscalização na Rodovia Castelo Branco, abordaram ônibus que fazia o trajeto de Dourados-MS para São Paulo-SP. Os agentes públicos narraram que a seleção se deu a partir de análise comportamental (nervosimo visível e troca de olhares entre um adolescente viajando sozinho e outra passageira que afirmou não conhecer). Afirmaram ainda que informaram à acusada quanto ao direito de permanecer em silêncio e, em seguida, iniciaram a vistoria das bagagens, localizando cerca de 30kg de maconha, divididos em tabletes, tanto nos pertences da acusada, como nos do adolescente que viajava ao seu lado, embalados da mesma forma. Assim, forçoso concluir que a inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros do ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, teve natureza administrativa, ou seja, não se deu como busca pessoal de natureza processual penal e, portanto, prescindiria de fundada suspeita. Ademais, se a bagagem dos passageiros poderia ser submetida à inspeção aleatória na rodoviária ou em um aeroporto, passando por um raio-X ou inspeção manual detalhada, sem qualquer prévia indicação de suspeita, por exemplo, não há razão para questionar a legalidade da vistoria feita pelos policiais rodoviários federais, que atuaram no contexto fático de típica inspeção de segurança em transporte coletivo.

Tese Firmada: A inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros de ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, tem natureza administrativa e prescinde de fundada suspeita.

Questão Jurídica: Tráfico de drogas. Entorpecentes encontrados nas bagagens de passageiros do ônibus vistoriadas pela Polícia Rodoviária Federal, em fiscalização de rotina. Inspeção de segurança que não se confunde com busca pessoal (natureza processual penal). Fiscalização de natureza administrativa. Legítimo exercício do poder de polícia. Licitude das provas obtidas.

Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PRELIMINAR DE NULIDADE. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 240, § 2.º, E 244, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DROGAS ENCONTRADAS NAS BAGAGENS DE PASSAGEIROS DO ÔNIBUS VISTORIADAS PELA POLÍCIA RODOVIÁRIA, EM FISCALIZAÇÃO DE ROTINA. INSPEÇÃO DE SEGURANÇA QUE NÃO SE CONFUNDE COM BUSCA PESSOAL (NATUREZA PROCESSUAL PENAL). LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. CIRCUNSTÂNCIAS QUE, POR SI SÓS, NÃO PERMITEM AFERIR A DEDICAÇÃO DO ACUSADO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. CABÍVEL O SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A partir do julgamento do RHC n.º 158580/BA, da relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, a Sexta Turma aprofundou a compreensão acerca do instituto da busca pessoal, analisando de forma exaustiva os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal. A análise do caso concreto revela a necessidade de se atentar para a distinção existente entre a busca pessoal prevista na lei processual penal e outros procedimentos que não possuem a mesma natureza, os quais, a rigor, não exigem a presença de "fundada suspeita". 2. A denominada "busca pessoal por razões de segurança" ou "inspeção de segurança", ocorre rotineiramente em aeroportos, rodoviárias, prédios públicos, eventos festivos, ou seja, locais em que há grande circulação de pessoas e, em consequência, necessidade de zelar pela integridade física dos usuários, bem como pela segurança dos serviços e instalações. 3. Embora a inspeção de segurança também envolva restrição a direito fundamental e possa ser alvo de controle judicial a posteriori, a fim de averiguar a proporcionalidade da medida e a sua realização sem exposição vexatória, o principal ponto de distinção em relação à busca de natureza penal é a faculdade que o indivíduo tem de se sujeitar a ela ou não. Em outras palavras, há um aspecto de contratualidade, pois a recusa a se submeter à inspeção apenas irá obstar o acesso ao serviço ou transporte coletivo, funcionando como uma medida de segurança dissuasória da prática de ilícitos. Doutrina. 4. A título exemplificativo, destaco que a inspeção de segurança em aeroportos decorre de cumprimento de diretriz internacional, prevista no Anexo 17 da Convenção da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI), da qual o Brasil é signatário. O Decreto n.º 11.195/22 regulamenta a questão e prevê expressamente que a inspeção de passageiros e bagagens é de responsabilidade do operador de aeródromo, sob supervisão da Polícia Federal (art. 81). Ou seja, delega-se essa possibilidade ao agente privado, sendo a atuação policial também prevista, de forma subsidiária e complementar. 5. Nesse contexto, se a busca ou inspeção de segurança- em espaços e transporte coletivos - pode ser realizada por agentes privados incumbidos da segurança, com mais razão pode - e deve - ser realizada por agentes públicos que estejam atuando no mesmo contexto, sem prejuízo do controle judicial a posteriori acerca da proporcionalidade da medida, em ambos os casos. 6. O contexto que legitima a inspeção de segurança em espaços e meios de transporte de uso coletivo é absolutamente distinto daquele que ampara a realização da busca pessoal para fins penais, na qual há que se observar a necessária referibilidade da medida (fundada suspeita de posse de objetos ilícitos), conforme já muito bem tratado no referido RHC n.º 158.580/BA, da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz. 7. No caso concreto, policiais rodoviários federais, em fiscalização na Rodovia Castelo Branco, abordaram ônibus que fazia o trajeto de Dourados-MS para São Paulo-SP. A inspeção teve início a partir dos passageiros que se situavam no final do veículo, momento em que selecionaram para inspeção aleatória de bagagem a Paciente e o adolescente que viajava ao seu lado. 8. Os agentes públicos acrescentaram que a seleção se deu a partir de análise comportamental (nervosimo visível e troca de olhares entre um adolescente viajando sozinho e outra passageira que afirmou não conhecer). Afirmaram ainda que informaram à Paciente quanto ao direito de permanecer em silêncio e, em seguida, iniciaram a vistoria das bagagens, localizando cerca de 30kg de maconha, divididos em tabletes, tanto nos pertences da Paciente, como nos do adolescente que viajava ao seu lado, embalados da mesma forma. 9. Assim, forçoso concluir que a inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros do ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, teve natureza administrativa, ou seja, não se deu como busca pessoal de natureza processual penal e, portanto, prescindiria de fundada suspeita. Dito de outro modo, se a bagagem dos passageiros poderia ser submetida à inspeção aleatória na rodoviária ou em um aeroporto, passando por um raio-X ou inspeção manual detalhada, sem qualquer prévia indicação de suspeita, por exemplo, não há razão para questionar a legalidade da vistoria feita pelos policiais rodoviários federais, que a tuaram no contexto fático de típica inspeção de segurança em transporte coletivo. 10. Ainda que assim não se entenda, penso que a busca do caso concreto também seria capaz de preencher os requisitos do art. 244 do Código de Processo Penal. Com efeito, penso que se pode ter por fundada a suspeita que decorre da troca de olhares nervosos entre um adolescente viajando sozinho e uma outra passageira que afirmou desconhecer, sobretudo quando se considera que o ônibus partiu de localidade conhecida como um dos mais relevantes pontos de entrada e distribuição de drogas no país (NUNES, MARIA. Dinâmicas Transfronteiriças e o avanço da violência na fronteira sul-mato-grossense. Disponível em: https://repositorio. ipea.gov. br/bitstream/11058/7934/1/BRU_n16_Dinamicas.pdf. Acessado em: 01/10/2023). 11. Quanto à dosimetria, não há fundamentação idônea para afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, tendo em vista que somente se fez menção à quantidade de entorpecente, já utilizada para majorar a pena-base, o que contraria o entendimento da Terceira Seção a respeito do tema (HC n. 725.534/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2022, DJe 1.º/06/2022; sem grifos no original.) 12. Considerando o quantum de pena estabelecido, a primariedade da Condenada e a fixação da pena-base aci ma do mínimo legal, ante a presença de circunstância judicial desfavorável, mostra-se cabível o estabelecimento do regime inicial semiaberto, conforme o disposto no art. 33, § 2.º, alínea b, e § 3.º, do Código Penal. Precedentes. 13. Com relação ao pedido de substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, salienta-se que "[n]ão há como determinar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por ausência de cumprimento do requisito subjetivo (circunstância judicial desfavorável, com a fixação da pena-base acima do mínimo legal - art. 44, III, do Código Penal). (AgRg no AREsp 1058790/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 09/08/2018)". (AgRg no HC 527.992/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 09/12/2019.) 14. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, reformando o acórdão impugnado e a sentença condenatória, reduzir as sanções da Paciente para 02 (dois) anos, 05 (cinco) meses e 19 (dezenove) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e 247 (duzentos e quarenta e sete) dias-multa, no mínimo legal. (HC n. 625.274/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 20/10/2023.)