STJ. REsp 2.031.548-CE

Enunciado: A controvérsia cinge-se na possibilidade de ser desconsiderado período que médica cubana passou na República de Cuba quando repatriada, para fins de preenchimento do requisito de permanência no território brasileiro até a data da publicação da MP n. 890/2019 e, assim, se enquadrar como candidata apta a participar do chamamento à reincorporação ao Programa Mais Médicos para o Brasil, regido pelo Edital n. 09/2020 do Ministério da Saúde. A interpretação dada ao art. 23-A, III, da Lei n. 12.781/2013 não deve ser restritiva, ensejando a exclusão dos profissionais que se ausentaram do país por curtos períodos, mas, sim, uma interpretação finalística, alcançando aquilo que justifica sua existência. Quer a norma alcançar aqueles que, mesmo após a ruptura da cooperação entre Brasil e Cuba, e o consequente desligamento do Programa Mais Médicos para o Brasil, continuaram com o ânimo de permanência em território brasileiro. Em casos similares, esta Corte Superior já se pronunciou de forma monocrática no sentido de que "a finalidade da Lei requer uma interpretação tão somente para se inteirar se o médico intercambista estava no Brasil com [ânimo] definitivo até a data de publicação da referida MP" (REsp n. 2043389 Min. Regina Helena Costa, DJe 21/03/2023). No caso, a ora recorrida se enquadra na hipótese de residente no país com o histórico de breve ausência, em razão do embarque para Cuba ocorrido logo após a ruptura da cooperação entre os países. Independente de haver ou não como a recorrida presumir que surgiria nova oportunidade de ingresso no programa, retornou ao país em brevíssimo tempo, estabelecendo vínculos de permanência até a publicação da MP n. 890/2019 e, assim, preenchendo o requisito previsto no inciso III do artigo 23-A da Lei n. 12.781/2013. Como ressaltado pelo Tribunal de origem, "o real sentido do requisito encartado no art. 23-A, inciso III, da Lei n. 12.871/2013, qual seja, o de permanecer no território nacional como refugiado, naturalizado ou residente até a publicação da MP n. 890/2019, consiste, na verdade, em optar pela fixação de residência/moradia no Brasil em momento anterior e independentemente da possibilidade de reincorporação objeto de discussão, sendo este o caso da demandante". Assim, dessume-se que o fato da recorrida ter sido repatriada logo após a ruptura ocorrida entre o Brasil e a República de Cuba não inviabiliza, por si só, sua participação no chamamento para reintegração ao Programa Mais Médicos para o Brasil; havendo outros elementos a comprovar seu retorno breve, com o ânimo de permanência, deve ser-lhe assegurada a participação no chamamento do Edital n. 09/2020 do Ministério da Saúde.

Tese Firmada: A repatriação de médica cubana após a ruptura entre o Brasil e a República de Cuba não impede, por si só, sua participação no chamamento para reintegração ao Programa Mais Médicos para o Brasil, desde que haja outros elementos que comprovem seu retorno breve com intenção de permanecer no território brasileiro.

Questão Jurídica: Programa Mais Médicos para o Brasil. Edital de chamamento para reingresso. Médicos cubanos repatriados. Histórico de breve ausência. Fixação de residência no Brasil. Requisito de permanência no Brasil atendido. Interpretação restritiva e finalística da norma. Art. 23-A, III, Lei n. 12.871/2013.

Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. PROGRAMA MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL. EDITAL DE CHAMAMENTO PARA REINGRESSO. MÉDICOS CUBANOS REPATRIADOS. REQUISITO DE PERMANÊNCIA NO BRASIL. LISTAGEM FORNECIDA PELA OPAS/OMS DOS PROFISSIONAIS EMBARCADOS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E FINALÍSTICA DA NORMA. ART. 23-A, III, LEI N. 12.871/2013. I - Na origem, trata-se de ação ordinária buscando o direito de manifestação de interesse no processo de chamamento à reincorporação ao Programa Mais Médicos para o Brasil, regido pelo Edital n. 09/2020 do Ministério da Saúde. O TRF da 5ª Região concluiu que, a despeito da autora ter sido repatriada, permaneceu em seu país por brevíssimo período, optando por retornar ao Brasil e aqui fixar residência mesmo sem haver, à época, possibilidade de reincorporação ao referido programa, o que atende o requisito legal de permanência/residência no país. II - A União alegou, em síntese, que o Poder Judiciário adentrou espaço discricionário de atuação da Administração Pública, utilizando-se de valores jurídicos abstratos e desconsiderando as consequências práticas das decisões. Sustentou, ainda, a negativa de possibilidade de reinserção da recorrida no Programa Mais Médicos para o Brasil ante à ausência de preenchimento de requisito objetivo previsto no art. 23-A, III, da Lei n. 12.871/2013. III - Razões de recurso especial desenvolvidas de forma genérica. Súmula 284/STF. O argumento do ente federal no sentido de que "a própria gestão do PMMB [Projeto Mais Médicos para o Brasil] pode entrar em xeque, na hipótese de a Administração ter que o rever para atender situações individuais, deslocando esforços administrativos para cumprir centenas de decisões judiciais que destoam do planejado para a sua consecução" (fl. 856) não afasta o poder-dever tanto da Administração Pública quanto do Poder Judiciário de garantir os direitos individuais envolvidos na demanda, e de atender ao disposto na legislação de regência. O efeito prático de decisões judiciais que interferem de forma direta no desenvolvimento de programas de governo deve mesmo ser previsto e sopesado com o fim a que se destina a atuação da Administração Pública, mas não a ponto de se deixar de aplicar a norma legal para evitar indesejável deslocamento de esforços gerenciais e recursos administrativos. IV - A interpretação dada ao art. 23-A, III, da Lei n. 12.781/2013 não deve ser restritiva, ensejando a exclusão dos profissionais que se ausentaram do país por curtos períodos, mas, sim, uma interpretação finalística, alcançando aquilo que justifica sua existência. No caso, quer a norma alcançar aqueles que, mesmo após a ruptura da cooperação entre Brasil e Cuba, e o consequente desligamento do Programa, continuaram com o ânimo de permanência em território brasileiro. Em casos similares, esta Corte Superior já se pronunciou de forma monocrática no sentido de que "a finalidade da Lei requer uma interpretação tão somente para se inteirar se o Médico Intercambista estava no Brasil com [ânimo] definitivo até a data de publicação da referida MP" (REsp n. 2043389 Min. Regina Helena Costa, DJe 21/03/2023). V - No caso dos autos, como observou a Corte de origem, a autora se enquadra na hipótese de residente no país com o histórico de breve ausência, em razão do embarque para Cuba ocorrido logo após a ruptura da cooperação entre os países. Independente de haver ou não como a autora presumir que surgiria nova oportunidade de ingresso no programa, retornou ao país em brevíssimo tempo, estabelecendo vínculos de permanência até a publicação da MP n. 890/2019 e, assim, preenchendo o requisito previsto no inciso III do artigo 2 3-A da Lei n. 12.781/2013. VI - Como ressaltado pelo juízo singular e reproduzido nas razões de fundamentação do acórdão recorrido, "o real sentido do requisito encartado no art. 23-A, inciso III, da Lei 12.871/2013, qual seja, o de permanecer no território nacional como refugiado, naturalizado ou residente até a publicação da MP n° 890/2019, consiste, na verdade, em optar pela fixação de residência/moradia no Brasil em momento anterior e independentemente da possibilidade de reincorporação objeto de discussão, sendo este o caso da demandante". Assim, dessume-se que o fato da autora ter sido repatriada logo após a ruptura ocorrida entre o Brasil e a República de Cuba não inviabiliza, por si só, sua participação no chamamento para reintegração ao Programa Mais Médicos para o Brasil; havendo outros elementos a comprovar seu retorno breve, com o ânimo de permanência, deve ser-lhe assegurada a participação no chamamento do Edital n. 09/2020 do Ministério da Saúde. VII - Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (REsp n. 2.031.548/CE, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023.)