STJ. REsp 2.088.100-SP
Enunciado: Para o deslinde da controvérsia, é necessário que se examine a atuação da prescrição no plano da eficácia, o que perpassa, inicialmente, pela distinção entre os conceitos de direito subjetivo e de pretensão, pois, somente esta é, propriamente, atingida pela prescrição. Segundo a doutrina, a pretensão é o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. Observa-se, desse modo, que, antes do advento da pretensão, já existe direito e dever, mas em situação estática. Isso porque a dinamicidade do direito subjetivo surge, tão somente, com o nascimento da pretensão, que pode ser ou não concomitante ao surgimento do próprio direito subjetivo. Somente a partir desse momento, o titular do direito poderá exigir do devedor que cumpra aquilo a que está obrigado. No que diz respeito ao seu modo de atuação, restou demonstrado que a prescrição não atingiria a ação, mas sim a pretensão, o que representou fundamental virada dogmática com reflexos não só na nomenclatura, mas, sobretudo, na essência do instituto. Na doutrina brasileira, era relativamente comum, antes do advento do Código Civil de 2002, e em alguns casos, até mesmo, depois de sua entrada em vigor -, se apontar como alvo da eficácia da prescrição a própria ação. No entanto, o art. 189 do Código Civil de 2002, que representou importante inovação legislativa em face do direito anterior, acolheu a novel construção doutrinária ao estabelecer, expressamente, que o alvo da prescrição é mesmo a pretensão, instituto de direito material. Dessa forma, a doutrina defende que "eventuais projeções ao direito de ação (em sentido processual) só se justificam de modo reflexo." Isso porque, sendo a pretensão e a ação em sentido material encobertas pela prescrição, o seu titular não pode se servir dos remédios processuais da ação em sentido processual. A doutrina adverte que "a consequência processual de não poder se servir da 'ação', no entanto, não tem o condão de explicar o instituto. Trata-se de um resultado decorrente de uma prévia eficácia que se sucedeu no direito material". Nessa esteira de intelecção, não se pode olvidar, ainda, que a "pretensão se submete ao princípio da indiferença das vias, isto é, pode ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente". Nesse sentido, ao cobrar extrajudicialmente o devedor, o credor está, efetivamente, exercendo sua pretensão, ainda que fora do processo. Se a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, uma vez paralisada em razão da prescrição, não será mais possível exigir o referido comportamento do devedor, ou seja, não será mais possível cobrar a dívida. Logo, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito. Não há, portanto, duas pretensões, uma veiculada por meio do processo e outra veiculada extrajudicialmente. Independentemente do instrumento utilizado, trata-se da mesma pretensão, haurida do direito material. É a pretensão e não o direito subjetivo que permite a exigência da dívida. Uma vez prescrita, resta impossibilitada a cobrança da prestação. Nessas situações, não há que se falar em pagamento indevido, nem sequer em enriquecimento sem causa, nos termos do art. 882 do Código Civil, uma vez que o direito subjetivo (crédito) continua a existir. O que não há, de fato, é a possibilidade de exigí-lo.
Tese Firmada: O reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito.
Questão Jurídica: Débito prescrito. Cobrança judicial e extrajudicial. Instituto de direito material. Plano da eficácia. Princípio da indiferença das vias. Prescrição que não atinge o direito subjetivo. Cobrança de dívida prescrita. Impossibilidade.
Ementa: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PRESCRITO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. INSTITUTO DE DIREITO MATERIAL. DEFINIÇÃO. PLANO DA EFICÁCIA. PRINCÍPIO DA INDIFERENÇA DAS VIAS. PRESCRIÇÃO QUE NÃO ATINGE O DIREITO SUBJETIVO. COBRANÇA EXTRAJUDICIAL DE DÍVIDA PRESCRITA. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO ESTADUAL. 1. Ação de conhecimento, por meio da qual se pretende o reconhecimento da prescrição, bem como a declaração judicial de inexigibilidade do débito, ajuizada em 4/8/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/9/2022 e concluso ao gabinete em 3/8/2023. 2. O propósito recursal consiste em decidir se o reconhecimento da prescrição impede a cobrança extrajudicial do débito. 3. Inovando em relação à ordem jurídica anterior, o art. 189 do Código Civil de 2002 estabelece, expressamente, que o alvo da prescrição é a pretensão, instituto de direito material, compreendido como o poder de exigir um comportamento positivo ou negativo da outra parte da relação jurídica. 4. A pretensão não se confunde com o direito subjetivo, categoria estática, que ganha contornos de dinamicidade com o surgimento da pretensão. Como consequência, é possível a existência de direito subjetivo sem pretensão ou com pretensão paralisada. 5. A pretensão se submete ao princípio da indiferença das vias, podendo ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente. Ao cobrar extrajudicialmente o devedor, o credor está, efetivamente, exercendo sua pretensão, ainda que fora do processo. 6. Se a pretensão é o poder de exigir o cumprimento da prestação, uma vez paralisada em razão da prescrição, não será mais possível exigir o referido comportamento do devedor, ou seja, não será mais possível cobrar a dívida. Logo, o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito. 7. Hipótese em que as instâncias ordinárias consignaram ser incontroversa a prescrição da pretensão do credor, devendo-se concluir pela impossibilidade de cobrança do débito, judicial ou extrajudicialmente, impondo-se a manutenção do acórdão recorrido. 8. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 2.088.100/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 23/10/2023.)