STJ. REsp 2.069.181-SP

Enunciado: A controvérsia reside na validade de cláusula testamentária, em que prevista a instituição de filha maior como curadora especial de sua irmã co-herdeira incapaz relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança instituída pela genitora comum conforme o parágrafo 2º do artigo 1.733 do Código Civil, o qual permite que quem institui um menor herdeiro ou legatário nomeie um curador especial para os bens deixados, mesmo que o beneficiário esteja sob poder familiar ou tutela. Na origem, as instâncias ordinárias declararam ineficaz a disposição testamentária em que a autora da herança nomeara a sua filha maior como curadora especial, sob o fundamento principal de que a faculdade prevista no artigo 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil não se aplica aos casos em que os herdeiros necessários também são os únicos beneficiários da parte disponível, pois, assim, não haveria justa causa e operabilidade na restrição imposta. Assim delimitado o contexto, o testamento consubstancia expressão da autonomia privada, inclusive em termos de planejamento sucessório - ainda que limitada pelas regras afetas à sucessão legítima -, e tem por escopo justamente a preservação da vontade daquele que, em vida, concebeu o modo de disposição de seu patrimônio para momento posterior à sua morte, o que inclui a própria administração/gestão dos bens deixados. A instituição de curador para o patrimônio não exclui ou obsta o exercício do poder familiar pelo genitor sobrevivente ou a tutela, porquanto compete àquele tão-somente gerir os bens deixados sob a referida condição, em estrita observância à vontade do autor da herança, sem descurar dos interesses da criança ou adolescente beneficiário. A circunstância de a descendente, ainda criança, manter a posição de herdeira legítima e testamentária, simultaneamente, não conduz ao afastamento da disposição relacionada à instituição de curadora especial para administrar os bens integrantes da parcela disponível da testadora, expressamente prevista em lei, sem que haja qualquer necessidade de aferir a inidoneidade do detentor do poder familiar ou tutor.

Tese Firmada: É válida a disposição testamentária que institui filha co-herdeira como curadora especial dos bens deixados à irmã incapaz, relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança, ainda que esta se encontre sob o poder familiar ou tutela.

Questão Jurídica: Inventário. Cláusula de nomeação de curadora especial para administração da parcela disponível do patrimônio deixado à herdeira incapaz. Herdeira legítima e testamentária. Exercício do poder familiar pelo genitor. Irrelevante. Cumprimento de disposições testamentárias. Legalidade. Soberania da vontade da testadora.

Ementa: RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - INVENTÁRIO - CUMPRIMENTO DE DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS - CLÁUSULA DE NOMEAÇÃO DE CURADORA ESPECIAL PARA ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÔNIO DEIXADO À HERDEIRA INCAPAZ - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE TORNARAM SEM EFEITO A REFERIDA ESTIPULAÇÃO. INSURGÊNCIA DA INVENTARIANTE/TESTAMENTEIRA. Hipótese: trata-se de agravo de instrumento interposto pela inventariante, visando à declaração de validade de disposição testamentária, em que prevista a sua instituição como curadora especial dos bens deixados em testamento (parcela disponível) à irmã e herdeira ainda incapaz, à luz do artigo 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil. 1. Nos termos do parágrafo 2º do artigo 1.733 do Código Civil, "quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela". 2. O testamento consubstancia expressão da autonomia privada, inclusive em termos de planejamento sucessório - ainda que limitada pelas regras afetas à sucessão legítima -, e tem por escopo justamente a preservação da vontade daquele que, em vida, concebeu o modo de disposição de seu patrimônio para momento posterior à sua morte, o que inclui a própria administração/gestão dos bens deixados. 3. A preservação da autonomia da vontade é o norte hermenêutico a ser observado na interpretação do artigo referido no item "1", o qual, portanto, confere a faculdade ao testador de nomear curador especial para administração dos bens deixados a herdeiro incapaz, ainda que se encontre sob o poder familiar ou tutela, conforme expressamente indicado no texto legal. Ademais, a instituição desse curador de patrimônio não exclui ou obsta o exercício do poder familiar pelo genitor sobrevivente ou a tutela, porquanto compete àquele tão-somente gerir os bens deixados sob a referida condição, em estrita observância à vontade do autor da herança, sem descurar dos interesses da criança ou adolescente beneficiário. 4. Na hipótese, em atenção à soberania da vontade da testadora, a considerar a existência de expressa previsão normativa a facultar a nomeação de curador especial de patrimônio testado à criança ou adolescente, independentemente do exercício do poder familiar pelo genitor, impõe-se o provimento do apelo extremo para declarar a validade da disposição testamentária. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 2.069.181/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 10/10/2023, DJe de 26/10/2023.)