STJ. REsp 1.950.332-RJ

Enunciado: No plano da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a questão relativa à delegação de poder de polícia administrativa a entidades privadas no julgamento da ADI n. 1.717, de relatoria do Ministro Sydney Sanches, quando concluiu pela "indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas". O Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o mesmo tema de fundo do presente processo, também consagrou a tese de que, em relação às fases do "ciclo de polícia", somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, seguindo o entendimento de que aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público, este indelegável às pessoas jurídicas de direito privado. Acontece que, contra a supracitada decisão do STJ, houve a interposição de Recurso Extraordinário (633782/MG), tendo sido o recurso afetado como representativo de controvérsia. Na ocasião do julgamento daquele apelo, houve a revisão parcial do entendimento do STF sobre a possibilidade de delegação da função de polícia, cristalizando o Supremo a tese de que "é constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial". No caso, porém, o precedente não se aplica, pois: a) a CCEE é associação privada que não integra a Administração Pública; b) não há permissão constitucional para que atue como agente delegada da função administrativa de infligir sanções; c) os integrantes não gozam de qualquer estabilidade no emprego; d) embora a Câmara seja associação civil sem fins lucrativos, o fato é que ela é integrada "por titulares de concessão, permissão ou autorização" e "por outros agentes vinculados aos serviços e às instalações de energia elétrica", ou seja, ela é essencialmente composta por pessoas jurídicas que, como fim principal, visam o lucro. Ademais, não há lei formal autorizando direta e expressamente que a CCEE aplique diretamente multas aos particulares, e depois as cobre por conta própria, na medida em que essa atribuição só é mencionada no Decreto n. 5.177/2004 c/c Resolução Normativa ANEEL n. 109.

Tese Firmada: Não é possível delegar a função sancionadora do exercício do poder de polícia à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE por ser uma associação privada que não integra a Administração Pública.

Questão Jurídica: Poder de polícia. Função sancionadora. Delegação. Câmara de comercialização de energia elétrica - CCEE. Associação de natureza privada. Impossibilidade.

Ementa: ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. FUNÇÃO SANCIONADORA. DELEGAÇÃO. CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CCEE. ASSOCIAÇÃO DE NATUREZA PRIVADA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A controvérsia de direito é sobre a possibilidade de delegar a função sancionadora do exercício do poder de polícia à associação de natureza privada - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). 2. No âmbito doutrinário, o exercício das atividades de polícia administrativa é "usualmente concebido como indelegável a entidades privadas. Pode-se tomar como assente na doutrina a impossibilidade de se delegar a entidades privadas funções que implicam a manifestação de poder de império do Estado." (Funções administrativas do Estado [livro eletrônico] / Aline Lícia Klein, Floriano de Azevedo Marques Neto. -- 3. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. - [Tratado de direito administrativo; v. 4 / coordenação Maria Sylvia Zanella Di Pietro], ePub). 3. No plano da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a questão relativa à delegação de poder de polícia administrativa a entidades privadas no julgamento da ADI 1.717, de relatoria do Ministro Sydney Sanches, quando concluiu pela "indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas". 4. Esta Corte, ao examinar o mesmo tema de fundo do presente processo, também consagrou a tese de que, em relação às fases do "ciclo de polícia", somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, seguindo o entendimento de que aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público, este indelegável às pessoas jurídicas de direito privado. (STJ, EDcl no REsp 817.534/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 25/5/2010, DJe 16/6/2010; e REsp. 817.534/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 10/12/2009). 5. Não se desconhece que na ocasião do julgamento do RE 633.782/MG houve a revisão parcial do entendimento do STF sobre a possibilidade de delegação da função de polícia, cristalizando o Supremo a tese (representativa de controvérsia) de que "é constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial". 6. No caso, porém, o precedente não se aplica, pois: a) a CCEE é associação privada que não integra a Administração Pública; b) não há permissão constitucional para que atue como agente delegada da função administrativa de infligir sanções; c) os integrantes não gozam de qualquer estabilidade no emprego; d) embora a Câmara seja associação civil sem fins lucrativos, o fato é que ela é integrada "por titulares de concessão, permissão ou autorização" e "por outros agentes vinculados aos serviços e às instalações de energia elétrica", ou seja, ela é essencialmente composta por pessoas jurídicas que, como fim principal, visam o lucro. 7. Não há lei formal autorizando direta e expressamente que a CCEE aplique diretamente multas aos particulares, e depois as cobre por conta própria, na medida em que essa atribuição só é mencionada no Decreto n. 5.177/2004 c/c Resolução Normativa ANEEL n. 109. 8. Recurso da parte demandada provido, para julgar improcedente o pedido da ação de cobrança. Recurso da CCEE prejudicado. (REsp n. 1.950.332/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 2/10/2023.)