STJ. HC 837.239-RJ

Enunciado: O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, tem lugar "Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime". Sobre o tema, a Quinta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no REsp 2.016.905/SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, estabeleceu que, em casos de alteração do enquadramento jurídico ou desclassificação do delito, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais. Esse precedente reconheceu incidir, extensivamente, às hipóteses de ANPP, o Enunciado n. 337 da Súmula do STJ, que prevê ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e procedência parcial da pretensão punitiva, devendo os autos do processo retornarem à instância de origem para aplicação desses institutos. Oportuno lembrar, também, que no julgamento do REsp 1.972.098/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, a Quinta Turma decidiu que "o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada", o que sobrelevou e desburocratizou o reconhecimento e a importância da confissão para o deslinde do processo penal. No caso, o Tribunal de origem asseverou que o óbice ao encaminhamento dos autos ao Ministério Público para que se manifestasse sobre a proposição do ANPP seria a ausência de confissão formal e circunstanciada, haja vista o exercício, pelo denunciado, no curso da ação penal, do direito ao silêncio. Contudo, é de se destacar que, ao tempo da opção pela não autoincriminação, não estava no horizonte do acusado a possibilidade de entabulação do acordo de não persecução penal, uma vez que a denúncia não postulou o reconhecimento da minorante do tráfico de drogas, o que só se tornou possível com a prolação da sentença penal condenatória que aplicou em seu favor a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. O direito à não autoincriminação, vocalizado pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere, não pode ser interpretado em desfavor do réu, nos termos do que veicula a norma contida no inciso LXIII do art. 5º da Constituição da República e no parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal. Assim, a invocação do direito ao silêncio durante a persecução penal não pode impedir a incidência posterior do ANPP, caso a superveniência de sentença condenatória autorize objetiva e subjetivamente sua proposição. Lado outro, sequer a negativa de autoria é capaz de impedir a incidência do mencionado instituto despenalizador, não se podendo olvidar, como afirmado em doutrina, que o acordo de não persecução penal é medida de natureza negocial, cuja prerrogativa para o oferecimento é do Ministério Público, cabendo ao Judiciário a homologação ou não dos termos ali contidos. Deve-se, por conseguinte, diferenciar a postura legítima do réu que nega envolvimento com crime apurado em ação penal com a posição de parte do ANPP, certamente muito mais favorável do que aquela que lhe valeria o cumprimento de pena privativa de liberdade nos estabelecimentos penais à disposição nesse país, devendo lhe ser permitida a confissão, tal qual àquele que nega a conduta no interrogatório policial e, em juízo, a confessa, contradição que não impossibilita o reconhecimento da atenuante em seu favor. A dúvida remanescente residiria sobre o momento a formalização da confissão para fins do ANPP diferido, ao que se responde prontamente: no ato da assinatura do acordo. O Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, não determinou quando a confissão deve ser colhida, apenas que ela deve ser formal e circunstanciada. Isso pode ser providenciado pelo próprio órgão ministerial, se decidir propor o acordo, devendo o beneficiário, no momento de firmá-lo, se assim o quiser, confessar formal e circunstanciadamente, perante o Parquet, o cometimento do crime.

Tese Firmada: A ausência de confissão formal e circunstanciada no curso da ação penal não impede a remessa dos autos ao Parquet para avaliar a possibilidade de propositura do acordo de não persecução penal, uma vez que essa confissão pode ser formalizada perante o Ministério Público, no ato de assinatura do acordo.

Questão Jurídica: Acordo de não persecução penal. Ausência de remessa dos autos ao Ministério Público. Inexistência de confissão formal e circunstanciada nos autos. Obstáculo inexistente. Possibilidade de a confissão ser registrada perante o parquet. Relevância e multiforma da confissão espontânea. Observância do princípio da não autoincriminação e da ampla defesa.

Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE CONFISSÃO FORMAL E CIRCUNSTANCIADA NOS AUTOS. ÓBICE INEXISTENTE. POSSIBILIDADE DE A CONFISSÃO SER REGISTRADA PERANTE O PARQUET. RELEVÂNCIA E MULTIFORMA DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, tem lugar "Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime". 2. A doutrina processual penal brasileira classifica o instituto como "negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso - devidamente assistido por seu defensor -, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso com o Parquet de promover o arquivamento do feito, caso a avença seja integralmente cumprida" (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 7ª edição. Salvador. Editora Juspodivm, 2019, p. 200). 3. A Quinta Turma do STJ, nos autos do AgRg no REsp 2.016.905/SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, estabeleceu que, em casos de alteração do enquadramento jurídico ou desclassificação do delito, é possível aplicar o ANPP, desde que preenchidos os requisitos legais. Esse precedente reconheceu incidir, extensivamente, às hipóteses de ANPP, o Enunciado n. 337 da Súmula do STJ, que prevê ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e procedência parcial da pretensão punitiva, devendo os autos do processo retornarem à instância de origem para aplicação desses institutos. 4. Nos autos do REsp n. 1.972.098/SC, de minha relatoria, a Quinta Turma decidiu que "o réu fará jus à atenuante do art. 65, III, 'd', do CP quando houver admitido a autoria do crime perante a autoridade, independentemente de a confissão ser utilizada pelo juiz como um dos fundamentos da sentença condenatória, e mesmo que seja ela parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada", o que sobrelevou e desburocratizou o reconhecimento e a importância da confissão para o deslinde do processo penal. 5. Dessume-se do acórdão do Tribunal de origem que o óbice ao encaminhamento dos autos ao Ministério Público para que se manifestasse sobre a proposição do ANPP seria a ausência de confissão formal e circunstanciada, haja vista o exercício, pela paciente, no curso da ação penal, do direito ao silêncio. Contudo, é de se destacar que, ao tempo da opção pela não autoincriminação, não estava no horizonte da paciente a possibilidade de entabulação do ANPP, uma vez que a denúncia não postulou o reconhecimento da minorante do tráfico de drogas, o que só se tornou possível com a prolação da sentença penal condenatória que aplicou em seu favor a causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. 6. O direito à não autoincriminação, vocalizado pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere, não pode ser interpretado em desfavor do réu, nos termos do que veicula a norma contida no inciso LXIII do art. 5º da Constituição da República e no parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal. Assim, a invocação do direito ao silêncio durante a persecução penal não pode impedir a incidência posterior do ANPP, caso a superveniência de sentença condenatória autorize objetiva e subjetivamente sua proposição. 7. Lado outro, sequer a negativa de autoria é capaz de impedir a incidência do mencionado instituto despenalizador, não se podendo olvidar, como afirmado em doutrina, que o ANPP é medida de natureza negocial, cuja prerrogativa para o oferecimento é do Ministério Público, cabendo ao Judiciário a homologação ou não dos termos ali contidos. Nessa esteira, trata-se de contribuição de grande valia a combater a nefasta cultura do encarceramento, ainda prevalecente no Judiciário brasileiro em larga escala, e conducente ao estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da MC na ADPF 347, Rel. Ministro Marco Aurelio, devendo ser estimulada como política pública, a fim de que as sanções sejam obtidas de modo alternativo ao cárcere. 8. A formalização da confissão para fins do ANPP diferido deve se dar no momento da assinatura do acordo. O Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, não determinou quando a confissão deve ser colhida, apenas que ela deve ser formal e circunstanciada. Isso pode ser providenciado pelo próprio órgão ministerial, se decidir propor o acordo, devendo o beneficiário, no momento de firmá-lo, se assim o quiser, confessar formal e circunstanciadamente, perante o Parquet, o cometimento do crime. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício. (HC n. 837.239/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023.)