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STJ. REsp 2.062.459-RS
Enunciado: No que tange à disciplina das nulidades atinentes à quesitação ofertada aos jurados, as eventuais irregularidades que caracterizam nulidade relativa, ensejam a sua imediata contestação e a prova do prejuízo para a parte a quem aproveita a nulidade. Nesse contexto, segundo a dicção do art. 484 do Código de Processo Penal, após formular os quesitos o juiz-presidente os lerá, indagando às partes se têm qualquer objeção a fazer, o que deverá constar obrigatoriamente em ata. E, nos termos do art. 571, VIII, do diploma mencionado, as nulidades deverão ser arguidas, no caso de julgamento em Plenário, tão logo ocorram. Entretanto, essa não é a hipótese. Isso porque, nas particularidades do caso concreto, a má formulação do quesito de n. 2 deve ser considerada como causa de nulidade absoluta e sua elevada gravidade justifica excepcionar a regra da impugnação imediata, afastando-se a hipótese de preclusão. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do recurso em sentido estrito, para a delimitação da imputação da decisão de pronúncia, determinou a exclusão de parte das condutas atribuídas aos réus. A inserção nos quesitos de imputações que não foram admitidas no julgamento do recurso em sentido estrito ofende a um só tempo o princípio da correlação entre pronúncia e sentença e, ainda, a hierarquia do julgamento colegiado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Há entendimento desta Corte Superior de que as nulidades absolutas, notadamente aquelas capazes de causar perplexidade aos jurados e com evidente violação ao princípio da correlação entre pronúncia e sentença, ensejam a superação do óbice da preclusão.
Tese Firmada: A má formulação de quesito, com imputações não admitidas na pronúncia, causa nulidade absoluta e justifica exceção à regra da impugnação imediata, afastando-se a preclusão.
Questão Jurídica: Tribunal do Júri. Boate Kiss. Má formulação dos quesitos. Desrespeito ao princípio da correlação. Nulidade absoluta. Não ocorrência de preclusão.
Ementa: PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS CONSUMADOS E TENTADOS. NULIDADES RECONHECIDAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM COM DETERMINAÇÃO DE RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DE LUCIANO AUGUSTO BONILHA LEÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182/STJ. 1. Não havendo impugnação específica de todos os fundamentos da decisão que deixou de admitir o recurso especial, deve ser aplicado, por analogia, o teor da Súmula n. 182 deste Tribunal Superior. 2. Agravo em recurso especial não conhecido. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA VALIDADE DO JULGAMENTO REALIZADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DAS NULIDADES. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DE NORMA FEDERAL. 1. FORMAÇÃO DE LISTAS DE JURADOS PARA COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. SORTEIOS DE LISTAS SUPLEMENTARES DE JURADOS. CIRCUNTÂNCIAS FÁTICAS QUE NÃO JUSTIFICAM O NÚMERO EXACERBADO. AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE AUMENTO DO NÚMERO DE JURADOS E TEMPO DISPONÍVEL PARA INVESTIGAÇÃO. EFETIVO PREJUÍZO. 1.1 A despeito das circunstâncias fáticas singulares do caso dos autos (número de vítimas, restrições decorrentes do enfrentamento da pandemia de covid-19 e ausências frequentes de jurados na comarca), a determinação do sorteio de 305 jurados extrapolou em muito a determinação da lei, qual seja, 25 jurados. 1.2. Ainda que se pudesse cogitar a flexibilização da norma (art. 433, caput, do CPP), as circunstâncias apresentadas não são suficientes para justificar o exacerbado número de 305 jurados. 1.3. Além disso, não houve proporcionalidade do tempo entre a formação das listas e o julgamento; pois, embora ampliado o número de jurados, não houve ampliação do tempo para que os defensores realizassem a investigação dos jurados sorteados, demonstrando-se, assim, o efetivo prejuízo para a defesa. 2. REUNIÃO RESERVADA ENTRE JUIZ PRESIDENTE E JURADOS. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO IMPUGNAM OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 283 DO STF. IMPOSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. INCOMUNICABILIDADE DOS JURADOS. DESCONHECIMENTO PELAS PARTES DO CONTEÚDO DA REUNIÃO RESERVADA. 2.1. O Tribunal de Justiça de origem entendeu que a reunião reservada entre Juiz Presidente e jurados, realizada sem a presença das partes, ensejou o reconhecimento da nulidade adotando os seguintes fundamentos: (i) desnecessidade do registro em ata de julgamento de eventual impugnação, em razão da gravação de som e imagem da sessão de julgamento; (ii) comprovação inequívoca da reunião reservada entre Juiz presidente e jurados; (iii) prejuízo à plenitude de defesa. 2.2. Da leitura das razões recursais, percebe-se que o fundamento acerca da desnecessidade do registro em ata de julgamento de eventual impugnação, em razão da gravação de som e imagem da sessão de julgamento, o qual, per se, sustenta o afastamento da hipótese de preclusão, não foi especificamente atacado pelo recorrente, razão pela qual o recurso não merece conhecimento, pela aplicação, por analogia, do enunciado da Súmula n. 283/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." 2.3. Ainda que fosse possível ultrapassar o conhecimento do recurso neste ponto, a análise da questão sobre a nulidade da reunião reservada não está preclusa, pois o Juiz Presidente do Tribunal do Júri permitiu a substituição da ata de julgamento pela gravação em vídeo. 2.4. O ato do Juiz Presidente de se reunir reservadamente com os jurados durante os debates em Plenário desrespeitou a norma por inviabilizar a participação das partes no ato, impedindo que estas tivessem acesso ao conteúdo da reunião. Assim, inviável a pretensão do Ministério Público de exigir da defesa a demonstração do prejuízo concreto provocado pelo ato viciado para que seja reconhecida a nulidade. 3. INOVAÇÃO DA TESE DE ACUSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUANTO AO RÉU MAURO. ARGUMENTAÇÃO QUE PODE TER INFLUENCIADO NA DECISÃO DOS JURADOS. IMPOSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. VOTAÇÃO POR ÍNTIMA CONVICÇÃO. 3.1. Do contexto no qual foi aventada a aplicação da teoria cegueira deliberada, a acusação alegou ser possível a condenação do réu Mauro, considerando que o acusado poderia ter se esquivado deliberadamente de suas responsabilidades como sócio do empreendimento, evitando, intencionalmente, tomar conhecimento do que acontecia na administração da casa noturna. 3.2. Ocorre que tal contexto fático desborda da acusação que anteriormente afirmava a plena consciência e poder de influência na gestão do estabelecimento empresarial, acrescentando elemento que não fora imputado ao réu nos limites da pronúncia. 3.3. Na verdade, a argumentação do membro do Ministério Público, além de inovar os limites da acusação, pode ter influenciado na votação dos jurados, que julgam segundo sua íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar seus votos. 3.4. Portanto, não se pode exigir da defesa a comprovação do prejuízo, pois tal imposição consubstanciaria prova impossível e diabólica, porquanto impossível se aferir se os jurados levaram ou não em consideração a argumentação do Ministério Público. 4. QUESITAÇÃO AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE SENTENÇA E PRONÚNCIA. AFASTAMENTO DA HIPÓTESE DE PRECLUSÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. 4.1. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do recurso em sentido estrito, para a delimitação da imputação da decisão de pronúncia, determinou a exclusão de parte das condutas atribuídas aos réus. 4.2. Contudo, houve a inserção nos quesitos dessas imputações não admitidas no julgamento do recurso em sentido estrito, ofendendo a um só tempo o princípio da correlação entre pronúncia e sentença e, ainda, a hierarquia do julgamento colegiado do Tribunal de Justiça da origem. 4.3. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que as nulidades absolutas, notadamente aquelas capazes de causar perplexidade aos jurados e com evidente violação ao princípio da correlação entre pronúncia e sentença, ensejam a superação do óbice da preclusão. Precedentes. 5. Recurso especial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 2.062.459/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, relator para acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 22/9/2023.)