STF. Tema Rep. Geral nº 1236.

Tese Firmada: Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública.

Questão Jurídica: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, III, 30, IV, 50, I, X, LIV, 226, § 3º e 230 da Constituição Federal, a constitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil, que estabelece ser obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de setenta anos, e a aplicação dessa regra às uniões estáveis, considerando o respeito à autonomia e à dignidade humana, a vedação à discriminação contra idosos e a proteção às uniões estáveis.

Ementa: Ementa: Direito Constitucional e Civil. Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. Separação obrigatória de bens nos casamentos e uniões estáveis com pessoa maior de setenta anos. Interpretação conforme a Constituição. I. O caso em exame 1. O recurso. Recurso extraordinário com agravo e repercussão geral reconhecida contra decisão que considerou constitucional o art. 1.641, II, do Código Civil e estendeu sua aplicação às uniões estáveis. O referido dispositivo prevê a obrigatoriedade do regime de separação de bens no casamento de pessoa maior de setenta anos. 2. O fato relevante. Companheira em união estável postula participação na sucessão de seu falecido companheiro em igualdade de condições com os herdeiros necessários. 3. As decisões anteriores. O juiz de primeiro grau considerou inconstitucional o dispositivo do Código Civil e reconheceu o direito da companheira em concorrência com os herdeiros. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a decisão, considerando a norma que impõe a separação obrigatória de bens válida. II. A questão jurídica em discussão 4. O presente recurso discute duas questões: (i) a constitucionalidade do dispositivo que impõe o regime da separação de bens aos casamentos com pessoa maior de setenta anos; e (ii) a aplicação dessa regra às uniões estáveis. III. A solução do problema 5. O dispositivo aqui questionado, se interpretado de maneira absoluta, como norma cogente, viola o princípio da dignidade da pessoa humana e o da igualdade. 6. O princípio da dignidade humana é violado em duas de suas vertentes: (i) da autonomia individual, porque impede que pessoas capazes para praticar atos da vida civil façam suas escolhas existenciais livremente; e (ii) do valor intrínseco de toda pessoa, por tratar idosos como instrumentos para a satisfação do interesse patrimonial dos herdeiros. 7. O princípio da igualdade, por sua vez, é violado por utilizar a idade como elemento de desequiparação entre as pessoas, o que é vedado pelo art. 3º, IV, da Constituição, salvo se demonstrado que se trata de fundamento razoável para realização de um fim legítimo. Não é isso o que ocorre na hipótese, pois as pessoas idosas, enquanto conservarem sua capacidade mental, têm o direito de fazer escolhas acerca da sua vida e da disposição de seus bens. 8. É possível, todavia, dar interpretação conforme a Constituição ao art. 1.641, II, do Código Civil, atribuindo-lhe o sentido de norma dispositiva, que deve prevalecer à falta de convenção das partes em sentido diverso, mas que pode ser afastada por vontade dos nubentes, dos cônjuges ou dos companheiros. Ou seja: trata-se de regime legal facultativo e não cogente. 9. A possibilidade de escolha do regime de bens deve ser estendida às uniões estáveis. Isso porque o Supremo Tribunal Federal entende que “[n]ão é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável” (RE 878.694, sob minha relatoria, j. em 10.05.2017). 10. A presente decisão tem efeitos prospectivos, não afetando as situações jurídicas já definitivamente constituídas. É possível, todavia, a mudança consensual de regime, nos casos em que validamente admitida (e.g., art. 1.639, § 2º, do Código Civil). 11. No caso concreto, como não houve manifestação do falecido, que vivia em união estável, no sentido de derrogação do art. 1.641, II, do Código Civil, a norma é aplicável. IV. Dispositivo e tese 12. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Tese de julgamento: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”. __________ Atos normativos citados: Constituição Federal, arts. 1º, III; 3º, IV; 5º, I, X; 226, § 3º; 230, e Código Civil, arts. 1.641, II; e 1.639, § 2º. Jurisprudência citada: RE 878.694 (2017), Rel. Min. Luís Roberto Barroso. (ARE 1309642, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 01-04-2024 PUBLIC 02-04-2024)