STJ. REsp 1.854.143-MG

Enunciado: No processo produtivo de gases industriais e medicinais (oxigênio, nitrogênio e argônio), há a dispensação na atmosfera de gases que "não atendem os critérios de qualidade exigidos pelo comprador e cujo acúmulo, se não disperso na atmosfera, tem potencial para comprometer a qualidade da produção regular e, igualmente, para danificar a estrutura física da indústria". Esses descartes são denominados "gases ventados", não sendo objeto de comercialização. A Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir), a teor do art. 20, caput e § 1º, ao implementar a não cumulatividade do ICMS, permitiu o aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social do estabelecimento empresarial. No que tange especificamente às operações de entrada de energia elétrica no estabelecimento, a referida LC, em seu art. 33, II, b, autoriza o creditamento do imposto nos casos em que essa energia é consumida no processo de industrialização. Em análise conjunta do art. 20, § 1º, com o art. 33, II, b, ambos da Lei Complementar n. 87/1996, constata-se que o legislador, em momento algum, buscou limitar a fruição dos créditos de ICMS a depender da destinação dada à mercadoria final produzida com o produto intermediário adquirido. Apesar de a comercialização do produto constituir pressuposto lógico do fim almejado pelo processo de industrialização, a lei não traz essa limitação expressa, de modo que não cabe ao Poder Judiciário subverter a competência do Poder Legislativo e impô-la, como postula o Estado recorrente. Diante disso, conclui-se que os "gases ventados" pela empresa recorrida constituem refugo - perdas inerentes a qualquer processo produtivo - e, ainda que não comercializados, não afastam o direito ao crédito de ICMS visto que a energia elétrica foi consumida no processo de industrialização, tal como prescreve o supramencionado art. 33, II, b, da Lei Complementar n. 87/1996. Ademais, deve prevalecer o posicionamento da Primeira Seção do STJ segundo o qual é "cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa - essencialidade em relação à atividade-fim" (EAREsp n. 1.775.781/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 11/10/2023, DJe de 1/12/2023).

Tese Firmada: Os "gases ventados" constituem perdas inerentes a qualquer processo produtivo e, ainda que não comercializados, não afastam o direito ao crédito de ICMS, visto que a energia elétrica foi consumida no processo de industrialização, nos termos do art. 33, II, b, da Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir).

Questão Jurídica: A matéria controvertida diz respeito à pretensão de Estado-membro de estornar créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) referentes à aquisição de energia elétrica utilizada no processo produtivo de empresa, especificamente no que diz respeito aos denominados gases ventados.

Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APROVEITAMENTO DE CRÉDITO DE ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. PRODUTO INTERMEDIÁRIO. CONSUMO NO PROCESSO PRODUTIVO. MERCADORIA PRODUZIDA. DESTINAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. PROVIMENTO NEGADO. 1. Execução fiscal em que o Estado de Minas Gerais busca o estorno de créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) referentes à aquisição de energia elétrica utilizada no processo produtivo da empresa recorrida, especificamente quanto à parcela empregada na industrialização dos produtos não comercializados, denominados "gases ventados". 2. A Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), ao implementar a não cumulatividade do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em seu art. 33, II, b, permitiu o aproveitamento dos créditos referentes à aquisição de energia elétrica como produto intermediário, desde que consumida no processo de industrialização. 3. O legislador não limitou a fruição dos créditos de ICMS a depender da destinação dada à mercadoria final produzida com o produto intermediário adquirido. Não cabe, portanto, ao Poder Judiciário subverter a competência do legislador e impor tal limitação. 4. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou a compreensão de que "revela-se cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa - essencialidade em relação à atividade-fim" (EAREsp n. 1.775.781/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 11/10/2023, DJe de 1/12/2023.). 5. No caso em exame, conforme informações extraídas do acórdão recorrido, os gases ventados pela empresa constituem perdas - inerentes a qualquer processo produtivo - e, ainda que não comercializados, não afastam o direito ao crédito de ICMS visto que a energia elétrica foi consumida no processo de industrialização, tal como prescreve o art. 33, II, b, da Lei Complementar 87/1996. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 1.854.143/MG, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 17/12/2024.)