STJ. REsp 2.182.775-SP

Enunciado: Os responsáveis pelo empreendimento, após se beneficiarem dos incentivos concedidos ao enquadramento de Habitação de Mercado Popular (HMP), adulteraram o projeto originalmente aprovado, com a inclusão indevida de um segundo banheiro nas unidades habitacionais após a concessão do habite-se, violando o Plano Diretor. Houve, assim, alteração substancialmente do padrão e do valor dos imóveis. Trata-se de conduta especialmente grave por diversos aspectos. Primeiro, pelo evidente intuito fraudulento, demonstrado pela premeditação em aguardar a conclusão das vistorias para então proceder à modificação do projeto. Segundo, pela apropriação indevida de benefícios urbanísticos destinados a fins sociais. Terceiro, e mais importante, pela completa frustração da finalidade social do empreendimento. A inclusão do segundo banheiro elevou significativamente o valor dos imóveis, excluindo precisamente a população-alvo da política habitacional - aquela com renda entre seis e dez salários mínimos. Tais circunstâncias ultrapassam a mera ilegalidade para configurar verdadeira afronta aos valores fundamentais que norteiam a política habitacional e o planejamento urbano. A conduta atinge frontalmente princípios basilares como a boa-fé, a função social da propriedade e o direito à moradia digna, constitucionalmente assegurados. Com efeito, o que se verifica é uma situação excepcional de manifesta gravidade, que ultrapassa o mero descumprimento de normas urbanísticas para configurar verdadeira afronta aos valores fundamentais da sociedade, justificando a condenação por danos morais coletivos.

Tese Firmada: A alteração premeditada de projeto habitacional, inicialmente destinado ao mercado popular, configura dano moral coletivo por desvirtuar a finalidade social do empreendimento.

Questão Jurídica: A controvérsia consiste em avaliar se a alteração de projeto original, com desvirtuamento da finalidade de empreendimento habitacional destinado ao mercado popular, constituiu grave violação aos valores éticos fundamentais da sociedade, configurando dano moral coletivo.

Ementa: DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALTERAÇÃO DE PROJETO HABITACIONAL. HABITAÇÃO DE MERCADO POPULAR (HMP). DESVIRTUAMENTO DO EMPREENDIMENTO APÓS CONCESSÃO DO HABITE-SE. VIOLAÇÃO DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL. APROVEITAMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIOS URBANÍSTICOS. FRUSTRAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA HABITACIONAL. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público por alteração de projeto habitacional aprovado como Habitação de Mercado Popular (HMP), com inclusão indevida de segundo banheiro nas unidades habitacionais, após concessão do habite-se, em desacordo com o Plano Diretor do Município. 2. A ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se os réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, revertida ao Município para utilização em projetos relacionados à ordem urbanística. II. Questão em discussão 3. Consiste em avaliar se a alteração do projeto original, com desvirtuamento da finalidade de empreendimento habitacional destinado ao mercado popular, constituiu grave violação aos valores éticos fundamentais da sociedade, configurando dano moral coletivo. III. Razões de decidir 4. O dano moral coletivo se manifesta quando a conduta agride, de modo totalmente injusto e intolerável, o ordenamento jurídico e os valores éticos fundamentais da sociedade em si considerada, provocando repulsa e indignação na consciência coletiva. 5. A obtenção fraudulenta de benefícios urbanísticos mediante aprovação de projeto como Habitação de Mercado Popular (HMP), com posterior descaracterização do empreendimento mediante a inclusão de segundo banheiro após o habite-se, frustrando a finalidade social da política habitacional, ultrapassa o mero ilícito administrativo para configurar dano moral coletivo indenizável. 6. A conduta da recorrente, ao elevar o padrão construtivo do empre endimento, excluindo a população-alvo da política habitacional (6 a 10 salários mínimos), representa grave violação à função social da propriedade e ao direito fundamental à moradia digna. 7. O dano moral coletivo decorre da frustração da política pública habitacional, convertida em mecanismo de especulação imobiliária, justificando a condenação para reafirmar a intangibilidade dos valores sociais violados. 8. A revisão do valor da indenização é inviável em sede de recurso especial, pois demandaria reexame do acervo fático-probatório, vedado pela Súmula n. 7/STJ. O montante fixado é adequado para cumprir a função pedagógica da condenação. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A alteração premeditada de projeto habitacional, inicialmente destinado ao mercado popular, configura dano moral coletivo por desvirtuar a finalidade social do empreendimento. 2. A condenação por danos morais coletivos visa reafirmar a intangibilidade dos valores sociais violados e desestimular condutas semelhantes. 3. A revisão do valor da indenização por danos morais coletivos é inviável em recurso especial, salvo se exorbitante ou irrisório." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 6º, VI. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.473.846/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017. DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALTERAÇÃO DE PROJETO HABITACIONAL. HABITAÇÃO DE MERCADO POPULAR (HMP). DESVIRTUAMENTO DO EMPREENDIMENTO APÓS CONCESSÃO DO HABITE-SE. VIOLAÇÃO DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL. APROVEITAMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIOS URBANÍSTICOS. FRUSTRAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA HABITACIONAL. PERDAS E DANOS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DANO MORAL COLETIVO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público por alteração de projeto habitacional aprovado como Habitação de Mercado Popular (HMP), com inclusão indevida de segundo banheiro nas unidades habitacionais, após concessão do habite-se, em desacordo com o Plano Diretor do Município. 2. A ação foi julgada parcialmente procedente, condenando os réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, revertida ao Município para utilização em projetos relacionados à ordem urbanística. II. Questão em discussão 3. Consiste em definir se é cabível a condenação dos réus ao pagamento de indenização por perdas e danos. 4. A questão também envolve a análise da adequação do valor fixado a título de danos morais coletivos, considerando a gravidade da conduta e o impacto social do empreendimento. III. Razões de decidir 5. O Tribunal de origem não se pronunciou sobre o pedido de perdas e danos por prejuízos urbanísticos e ambientais, nem sobre os potenciais problemas futuros para os adquirentes, o que impede o conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento. 6. A revisão do valor da indenização é inviável em sede de recurso especial, pois demandaria reexame do acervo fático-probatório, vedado pela Súmula n. 7/STJ. O montante fixado é adequado para cumprir a função pedagógica da condenação. IV. Dispositivo 7. Recurso desprovido. (REsp n. 2.182.775/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 20/2/2025.)