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STF. ADI 6466/DF
Enunciado: Na espécie, os diversos atos normativos editados pelo Presidente da República com a finalidade de promover a chamada “flexibilização das armas” no País extrapolaram o conteúdo do referido Estatuto — que inaugurou uma política de controle responsável de armas de fogo e munições no território nacional — e substituíram os parâmetros legais por outras diretrizes estabelecidas unilateralmente. As medidas decorrentes das inovações normativas caracterizam manifesto retrocesso na construção de políticas voltadas à segurança pública e ao controle de armas no Brasil, vulnerando as diretrizes nucleares do Estatuto. Ademais, a livre circulação de cidadãos armados, carregando consigo múltiplas armas de fogo, atenta contra os valores da segurança pública e da defesa da paz, criando risco social incompatível com ideais constitucionalmente consagrados. A aquisição de armas de fogo deve se pautar pelo caráter excepcional, razão pela qual se exige a demonstração concreta da efetiva necessidade, por motivos tanto profissionais quanto pessoais. As espécies de necessidade ficta ou presumida, nas quais o índice de realidade torna--se secundário, não realizam o dever de diligência do Estado, e são, por conseguinte, contrárias à ordem constitucional. Nesse contexto, a única interpretação do art. 4º, caput, do Estatuto do Desarmamento compatível com a Constituição é aquela que vê na declaração de efetiva necessidade a conjugação de dois fatores: (a) a imperatividade da demonstração de que, no caso concreto, realmente exista a necessidade de adquirir uma arma de fogo, segundo os critérios legais; e (b) a obrigação do Poder Executivo de estabelecer procedimentos fiscalizatórios sólidos que permitam auferir a realidade da necessidade. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário julgou diversas ações que tratam do tema e, conforme as respectivas atas de julgamento: I. conferiu interpretação conforme a Constituição: a. ao art. 4º do Estatuto do Desarmamento, fixando a orientação hermenêutica de que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, possuírem efetiva necessidade; b. ao art. 4º, § 2º, do Estatuto do Desarmamento, e ao art. 2º, § 3º, do Decreto 9.847/2019, para fixar a tese de que a limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos; c. ao art. 10, § 1º, inciso I, do Estatuto do Desarmamento, para fixar a tese hermenêutica de que a atividade regulamentar do Poder Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade outras além daquelas já disciplinadas em lei; e d. ao art. 27 do Estatuto do Desarmamento, a fim de fixar a tese hermenêutica de que aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente; bem como II. declarou a inconstitucionalidade: a. da Portaria Interministerial 1.634/GM-MD, de 22 de abril de 2020; b. do art. 3º, § 1º, do Decreto 9.845/2019; c. do art. 3º, incisos I e II, e § 1º, do Decreto 9.846/2019; d. do art. 2º, incisos I e II, e § 1º, dos Decretos 9.845/2019, 9.846/2019, 9.847/2019; e. do § 11 do art. 12 do Decreto 9.847/2019 e do § 3º do art. 3º do Decreto 9.846/2019; f. dos incisos I e II do § 2º do art. 34 do Decreto 9.847/2019; g. dos incisos I, II, VI e VII do § 3º do art. 2º do Regulamento de Produtos Controlados (Decreto 10.030/2019), incluídos pelo Decreto 10.627/2021; h. do § 1º do art. 7º do Decreto 10.030/2019 (incluído pelo Decreto 10.627/2021); i. dos §§ 8º e 8º-A do art. 3º Decreto 9.845/2019, incluído pelo Decreto 10.628/2021; j. da expressão normativa “quando as quantidades excederem os limites estabelecidos nos incisos I e II do caput”, inscrita no inciso II do § 5º do art. 3º do Decreto 9.846/2021, na redação dada pelo Decreto 10.629/2021; k. dos incisos I e II do § 1º e do § 4º, caput e incisos I e II, todos do art. 4º do Decreto 9.846/2021, na redação dada pelo Decreto 10.629/2019; l. da expressão “por instrutor de tiro desportivo”, inscrita no inciso V do § 2º do art. 3º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021) e “fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia” do inciso VI do § 2º do art. 3º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021); m. do art. 7º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021), restabelecendo-se, em consequência, a vigência do § 2º do art. 30 do Decreto 5.123/2004; n. do § 2º do art. 4º e do § 3º do art. 5º do Decreto 9.846/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.629/2021); e o. do § 1º do art. 17 e da expressão normativa “em todo o território nacional”, prevista no caput do art. 17 do Decreto 9.847/2019 (na redação dada pelo Decreto 10.630/2021), fixando a exegese no sentido de que o âmbito espacial de validade do porte de arma de uso permitido concedido pela Polícia Federal deverá corresponder à amplitude do território (municipal, estadual ou nacional) onde se mostre presente a efetiva necessidade exigida pelo Estatuto, devendo o órgão competente fazer constar essa indicação no respectivo documento.
Tese Firmada: É inconstitucional — por exorbitar os limites outorgados ao Presidente da República (CF/1988, art. 84, IV) e vulnerar políticas públicas de proteção a direitos fundamentais — norma de decreto presidencial, editado com base no poder regulamentar, que inova na ordem jurídica e fragiliza o programa normativo estabelecido pela Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).
Ementa: Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. ATO ADMINISTRATIVO NORMATIVO. QUANTITATIVO DE MUNIÇÕES. PODER REGULAMENTAR ATRIBUÍDO AO PODER EXECUTIVO. DISCRICIONARIEDADE. MARGEM DE CONFORMAÇÃO. DEVER DE DILIGÊNCIA DEVIDA E PROPORCIONALIDADE NA DEFINIÇÃO DAS QUANTIDADES DE MUNIÇÃO ADQUIRÍVEIS PELOS CIDADÃOS. INTEPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.634/GM-MD, DE 22 DE ABRIL DE 2020. INCOMPATIBILIDADE DOS QUANTITATIVOS ADOTADOS COM O DIREITO À SEGURANÇA E COM A FINALIDADE DO ESTATUDO DO DESARMAMENTO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Os direitos à vida e à segurança são dotados não apenas de dimensão negativa, senão também de dimensão positiva, constituindo exigência de que o Estado construa políticas de segurança pública e controle da violência armada. 2. As obrigação assumidas pelo Estado brasileiro perante o direito internacional dos direitos humanos aprofundam a semântica dos direitos à vida e à segurança, devendo a responsabilidade do Poder Público passar pelo crivo da diligência devida e da proporcionalidade. 3. O legislador, ao delegar ao Poder Executivo, no art. 4º, §2º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, as definições dos quantitativos de munições adquiríveis pelos cidadãos, vinculou-o ao programa finalístico do direito à segurança e ao objetivo amplo do desarmamento. Faz-se necessária a aplicação da técnica da interpretação conforme para afastar a hipótese de discricionariedade desvinculada, e fixar a tese hermenêutica de que o poder concretizador regulamentar está limitado a definir, de forma diligente e proporcional, as quantidades de munição que garantam apenas o necessário à segurança dos cidadãos. 4. A Portaria Interministerial nº 1.634/GM-MD, de 22 de abril de 2020, extrapola a margem de conformação autorizada pelo art. 4º, §2º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Ao definir quantitativos excessivamente elevados de munições adquiríveis, o dispositivo subverte a teleologia do Estatuto do Desarmamento e fere o direito constitucional à vida e à segurança. 5. Ação julgada procedente. (ADI 6466, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 03-07-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 04-09-2023 PUBLIC 05-09-2023)